A disputa entre os governadores de São Paulo, José Serra, e de Minas Gerais, Aécio Neves, pela candidatura à Presidência da República levou o PSDB para um caminho perigoso e sem saída à vista. A relação entre os dois piora à medida que se aproxima o dia em que o partido vai escolher o nome para concorrer ao Palácio do Planalto. Na semana passada, um encontro de Aécio com o deputado Ciro Gomes (PSB-CE) aumentou o grau de tensão. O nervosismo cresce na mesma proporção em que a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, se firma como candidata do governo, embalada pelos altos índices de popularidade do presidente Lula.
Os aliados de Serra consideraram o encontro uma provocação, pois Ciro é inimigo público do governador de São Paulo, além de integrante da base aliada do governo. Ciro almoçou no Palácio das Mangabeiras, residência oficial do governador de Minas. "Se Aécio Neves se viabilizar como candidato a presidente da República, penso que sua presença é tão importante para o Brasil que minha candidatura não seria mais necessária", afirmou Ciro. "Considero agudamente necessário não permitir que o país dê tanto espaço à fisiologia, ao clientelismo e à corrupção, como tem sido ao longo dos últimos 16 anos no Brasil, em função da radicalização paroquial entre o PT e o PSDB de São Paulo."
Em seguida, ao falar sobre sua possível entrada na disputa pelo governo de São Paulo, Ciro chamou José Serra de "o coiso". As referências negativas ao tucanato feitas ao lado de Aécio acirraram os ânimos dos serristas. "Como construir alguma coisa para 2010, se Ciro é o maior adversário do governo Fernando Henrique e Aécio foi líder do PSDB no governo?", pergunta o deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP). "Ciro é um desafeto do PSDB e faz campanha nacional contra o partido", diz a deputada Marisa Serrano (PSDB-MS). Nas conversas internas, os aliados de Serra demonstram dúvidas quanto às intenções de Aécio ao estreitar os laços com Ciro. Eles reclamam do que consideram "corpo mole" nas duas últimas campanhas presidenciais, quando Aécio concorria ao governo de Minas e fez gestos de simpatia por Lula. Esse comportamento irritou Serra e Geraldo Alckmin, candidatos do PSDB em 2002 e 2006, respectivamente. Para muitos, o estilo do governador mineiro se traduz na prática como uma traição. "Não dá para ver uma possibilidade real de Ciro apoiar o Aécio em 2010", diz o secretário municipal de Esportes de São Paulo, Walter Feldman, ligado a Serra.
O grupo de tucanos que apoia Aécio diz que aqueles que cercam Serra veem traição em todos os gestos de Aécio para consolidar sua candidatura ao Planalto. "Aécio é o político no partido com maior capacidade de articulação. É até um desperdício pedir que ele abra mão desse potencial", afirma o deputado Rodrigo Castro (PSDB-MG), um dos mais próximos a Aécio.
O encontro com Ciro e a reação do grupo serrista deixaram Aécio na incômoda posição de ter de se explicar. Na quinta-feira 19, o jornal O Globo publicou uma longa carta em que Aécio se defende das críticas. Ele afirma não ver problemas em conversar com adversários e condena quem viu o encontro como uma provocação a Serra. Aécio diz que Ciro já esteve diversas vezes em Minas e que, na semana passada, não falou mal de Serra. A carta ignora a referência de Ciro a "o coiso".
Apesar das ponderações, tucanos menos envolvidos com os projetos pessoais dos dois governadores avaliam que, desta vez, Aécio foi longe demais. Ao dar espaço a Ciro, Aécio estaria criando obstáculos para um acordo com Serra, único caminho para a oposição conseguir derrotar o governo. Preocupado com o acirramento da briga, o presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), tenta conciliar os dois lados para evitar prejuízos. "Os movimentos de Aécio nesta fase de pré-campanha são mais do que legítimos", diz Guerra. "Mas a pré-campanha não pode atrapalhar o segundo capítulo: o apoio dos eleitores de Minas e São Paulo ao nosso candidato." Empenhado em acalmar os ânimos, o líder do partido na Câmara, José Aníbal (SP), afirma: "Não existe uma crise no PSDB. Existe muita ansiedade".
A conversa com Ciro é mais um ingrediente incômodo no delicado jogo de equilíbrio interno. Para dificultar mais as coisas, ela acontece num momento negativo para a oposição - e para o PSDB em particular. Além da disputa entre Serra e Aécio, a última pesquisa do Vox Populi mostra que Serra caiu 4 pontos (de 40% para 36%) e que a candidata do governo, Dilma Rousseff (PT) subiu 4 (de 15% para 19%). Na pesquisa, Aécio tem cerca de metade das intenções de voto de Serra.
Serra e Aécio divergem em relação ao prazo para definir quem será o candidato. "De minha parte, só haverá decisão quando se aproximar a data da desincompatibilização", afirmou Serra na quinta-feira, em Curitiba. Pela lei, os candidatos deverão deixar os cargos até o dia 3 de abril. Serra quer adiar a decisão para ficar o menor tempo possível exposto a ataques eleitorais. Em desvantagem nas pesquisas, Aécio quer definir o candidato ainda neste ano, para ter tempo de construir sua candidatura. Até pouco tempo atrás, sua estratégia era exigir prévias entre ele e Serra. Depois, fixou dezembro como limite para a definição do nome. Com a repercussão negativa do encontro com Ciro, Aécio aceita esperar até janeiro e, se nada for resolvido, anunciará a candidatura ao Senado. O grupo de Serra acha que é uma ameaça: se não for candidato, Aécio faria jogo duplo em 2010.
Contrário à demora na definição do candidato, nas últimas semanas Aécio ganhou o apoio do ex-prefeito do Rio César Maia e de seu filho, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente nacional do DEM. Acossado pelas dificuldades regionais para ser candidato ao Senado, César Maia reclama da demora do PSDB. Na semana passada, Maia chamou Serra de um dos "piores caudilhos". Na quarta-feira, cerca de 60 integrantes do DEM participaram de um almoço na residência oficial do governo de Brasília para desfazer a imagem de mal-estar com o PSDB. "O DEM tem de apoiar incondicionalmente o PSDB, seja quem for o candidato, para voltarmos ao poder", diz o governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda. "Foi um almoço Pollyana, só para fazer o jogo do contente", afirma o senador Demóstenes Torres (GO). A reunião para valer ocorrera na noite anterior, quando um grupo menor se encontrou na casa da senadora Kátia Abreu (TO) e decidiu enquadrar "os Maias" no almoço.
O encontro com Ciro é um ingrediente incômodo
no delicado jogo de equilíbrio interno na oposição
Os sinais da desagregação da oposição aparecem em detalhes. Muitos tucanos já se movimentam para influir na futura campanha eleitoral. O jornalista Luiz González é o favorito para comandar a campanha de Serra. González tem um histórico com o PSDB paulista, que inclui vitórias de Mário Covas, de Geraldo Alckmin e do próprio Serra. Mas ele é visto com reservas por muitos tucanos, sob o argumento de que seria muito "paulista" e "centralizador". Recentemente, tucanos levaram o publicitário Duda Mendonça a dois encontros com Serra. A agência de Duda tem um relacionamento oficial com o governo de São Paulo: ela venceu uma licitação e faz a campanha publicitária de uma das linhas de expansão do Metrô. Alguns tucanos defendem a pulverização do comando da campanha entre marqueteiros. Um deles seria Nélson Biondi, ex-sócio de Duda, que se dá bem com Serra.
Os fracassos nas urnas em 2002 e 2006 mostraram que o PSDB tem dificuldades em se unir nas horas decisivas. Os desdobramentos do almoço de Ciro com Aécio na semana passada reforçam a ideia de que nada mudou. As próximas semanas serão determinantes para saber se o PSDB será capaz de superar seus limites.Época
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