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7 de fevereiro de 2010

Cracolândia, 24 anos de problemas e 15 anos de promessas

“Temos que preparar a contraofensiva agora que estamos informados sobre o que vem por aí.” O alerta foi dado em 1988 pelo então delegado Naief Saad Neto (que morreu em 2007), após ouvir de um traficante detalhes sobre a chegada do crack à capital paulista. Os anos se passaram e as apreensões que antes se resumiam a gramas se converteram em quilos. O subproduto da cocaína conquistou um território próprio: a cracolândia, um punhado de ruas no centro onde viciados de todas as idades e classes sociais aglomeram-se e acendem cachimbos diversas vezes ao dia para sentir o curto e intenso “barato” da “pedra”. Um ritual que, na opinião de quem tentou enfrentá-lo na última década, não tem previsão para acabar.

A trajetória do crack em São Paulo está ligada sobretudo ao centro. A primeira apreensão da qual se tem notícia na capital data de 1986. O então Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) flagrou um homem com 100 gramas da droga na Rua Major Sertório, na Vila Buarque. A companheira dele tinha 600 gramas em um apartamento na Alameda Barão de Limeira.

Ambos se declaram “mulas”: terem sido contratados para transportar a encomenda de Corumbá, no Mato Grosso do Sul, sem saber do que se tratava. A Justiça absolveu o casal. Dois anos depois, reportagem diz que um traficante revelou ao Deic que a droga era inserida facilmente por meio da rota entre Corumbá e a cidade de Porto Suárez, na Bolívia.

Em 1991, o Departamento de Investigações sobre Narcóticos (Denarc) recolheu pela primeira vez a pedra no quadrilátero formado pelas avenidas Duque de Caxias, Rio Branco, Ipiranga e Cásper Líbero. Naquele ano, o total de droga recolhida na cidade foi de 150 gramas. Dali em diante, o tráfico enraizou-se, instalando laboratórios de refino da droga em hotéis. Traficantes aliciavam crianças para distribuí-las no centro. Em 1992, reportagens já mencionavam que a Boca do Lixo, entre as ruas Vitória e do Triunfo, dera lugar à cracolândia.

Em 1995, o governador do Estado, Mário Covas (PSDB), morto em 2001, ordenou a criação de uma delegacia para investigar o crack. Foi a primeira ação prometida pelo Poder Executivo.

Os esforços das polícias Civil e Militar se tornaram cada vez mais frequentes. De 1997 para cá, houve em média pelo menos uma operação por ano na cracolândia, geralmente após reportagens sobre o local. Centenas de pessoas foram presas, entre fornecedores, distribuidores e usuários. Entre eles duas mulheres apontadas pela polícia como “rainhas do crack”, além de um “rei”. Pelo menos dois usuários de drogas foram assassinados ali. Um deles fora queimado por um traficante por não pagar a compra do crack. Por mais de 80 vezes a Prefeitura interditou hotéis, pensões e cortiços em situação irregular.

“O problema ali não é especificamente de segurança pública. Ele é por um lado de saúde e de outro de intervenção urbana”, afirmou o procurador de Justiça Marco Petreluzzi, secretário de Segurança Pública do Estado entre 1999 e 2002 (governos Covas e Geraldo Alckmin). Ao assumir, ele anunciara a meta de erradicar o crack em quatro anos. “No meu tempo, nunca tive a ilusão de que resolveria o problema com a polícia”, avalia o procurador hoje. “Mexer com droga é enxugar gelo.Enquanto houver consumidor vai haver traficante”, afirma.

Ao se tornar prefeita, em 2001, Marta Suplicy (PT) prometeu recuperar o centro. “Durante a minha gestão, tinha clareza que se fosse lidar só com aquela área iria levá-la para outros locais do centro, sem resolver o problema.”

“Acho que as ações da minha gestão começaram a surtir efeito, mas não são os de colocar na primeira página do jornal”, defende, citando a mudança da sede da Prefeitura, a tentativa de atrair moradores para o centro e ações para melhorar a iluminação e limpeza da área atualmente conhecida como Nova Luz. A seu ver, a presença de dependentes do crack na região dificilmente pode ser erradicada. “Não é fácil. Lembro que custava caro e nem sempre com resultados”, afirma Marta.

Em 2005, ao se tornar subprefeito da Sé, Andrea Matarazzo seguiu as determinações do então prefeito José Serra (PSDB) para mudar a cracolândia. “Ela melhorou muito em relação ao que era, mas tem um longo caminho. Desde o início, eu imaginava que o processo de revitalização era de pelo menos 10 anos.” Para ele, um dos principais pontos para resgatar o espaço é tratar os dependentes químicos. “Não é porque você urbanizou que os usuários de crack vão deixar de existir. Aquela população precisa de tratamento, de internação.”

CRONOLOGIA

1985
A Polícia Civil apreende o crack pela primeira vez em São Paulo. Inicialmente, um homem é flagrado com 100 gramas da droga numa caminhonete na Rua Major Sertório, na Vila Buarque. Perto dali, no apartamento da companheira dele, na Alameda Barão de Limeira, havia mais 600 gramas. O casal afirmou ter sido contratado para trazer a droga de Corumbá (MS). Trata-se da primeira apreensão da qual se tem notícia.

1988
Um traficante preso em São Paulo revela que o crack entra no Brasil pela fronteira com a Bolívia. A rota consistia no trecho entre as cidade de Puerto Suárez, na Bolívia, e Corumbá, no Mato Grosso do Sul. Aqui, as bases de distribuição seriam instaladas em São Paulo e no Rio de Janeiro, onde a droga seria chamada de “bazuca”. À época, o quilo do crack era estimado em US$ 900, ante US$ 1,1 mil do da cocaína.

1991
O crack segue se espalhando pelo País, sobretudo em São Paulo e no Rio de Janeiro, por meio do ‘tráfico formiga’, no qual a droga é transportada em pouca quantidade por várias pessoas. No Rio, a polícia detém em setembro uma corretora de imóveis de 39 anos com 370 gramas da droga. Ela negociava o crack, havia três meses, em boates de Copacabana e do Baixo Leblon. Foi uma das maiores apreensões da época.

1992
O quadrilátero formado pelas Avenidas Rio Branco, Ipiranga, Duque de Caxias e Cásper Líbero, até então conhecido como Boca do Lixo, em razão da presença de prostitutas, torna-se também conhecido como cracolândia. A primeira apreensão de crack na região, efetuada pelo Departamento de Investigações Sobre Narcóticos (Denarc), ocorrera um ano antes. A droga estava com uma garota de programa.

1994
Rapazes com carros novos circulam pelas ruas da cracolândia em busca do crack. À época, 70% das pedras consumidas eram preparadas nos hotéis da região. “Temos uma quantidade incrível de traficantes presos e usuários de drogas nessa área”, disse, durante uma operação, o delegado George Henry Millard, então diretor do Denarc. Policiais avaliam que a fiscalização dos hotéis contribuiria para combater o tráfico.

1995
Estatísticas do Denarc indicam que, em quatro anos, o número de usuários de crack cresceu 60%. A maioria dos dependentes atendidos na Divisão de Prevenção e Educação do Denarc tem entre 15 e 25 anos. Outro levantamento da polícia indica que 90% das 181 mortes violentas de menores, no ano anterior, estavam relacionadas ao crack. Foram assassinados por dívidas ou brigas.

2003
Após cinco meses, o Denarc remove uma base instalada no Largo General Osório e o consumo do crack volta a acontecer livremente. Na madrugada, dezenas de usuários ocupam as ruas dos Timbiras, dos Protestantes e dos Gusmões. Fumar a pedra em hotéis custa R$ 10, por um período de duas horas. De dia, os traficantes atuam num posto de gasolina desativado entre as Ruas Mauá e dos Protestantes.

2007
Como parte do projeto de revitalização da chamada Nova Luz, é demolida a loja situada no número 381 da Rua General Couto de Magalhães. O prefeito Gilberto Kassab (DEM) anuncia o nome de 23 empresas dos setores de tecnologia, call center, cultura e publicidade interessadas em se instalar na região. Algumas contradizem o anúncio. A IBM informa que está em negociação. A Microsoft afirma que a informação não procede.

2008
Três anos depois do lançamento, o projeto Nova Luz ainda engatinha. Somente duas das 23 empresas anunciadas no ano anterior pelo prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, se mudam para a região. Apesar dos incentivos fiscais, as demais permanecem cautelosas sobre o futuro da cracolândia. A sede da Guarda Civil Metropolitana é transferida para um prédio na Rua General Couto de Magalhães.FT

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