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11 de abril de 2012

Araponga tinha dados sigilosos

Polícia Federal encontra na casa de espião de Carlinhos Cachoeira documentos secretos do Ministério Público do Distrito Federal e de Goiás, bem como da Justiça e da PM goianas, sobre investigações de jogos de azar



Suspeito de comandar o esquema de espionagem a serviço do bicheiro Carlinhos Cachoeira, Idalberto Matias de Araújo, o Dadá, teve acesso a documentos sigilosos do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, do MP de Goiás e da Justiça e da Polícia Militar goianas. A Polícia Federal encontrou na casa do araponga, na Asa Norte, documentos relacionados a investigações de jogos de azar produzidos pelas quatro instituições.

São peças investigatórias reservadas, que acabaram nas mãos de um dos principais integrantes do grupo de Cachoeira. O mandado de busca e apreensão dos papéis foi cumprido no âmbito da Operação Monte Carlo, deflagrada em 29 de fevereiro. Dadá, que é sargento da reserva da Aeronáutica, está preso no 6º Comando Aéreo Regional (Comar), na Base Aérea de Brasília.

A PF considera o araponga como o "grande articulador" da rede de informações obtidas de servidores públicos para favorecer a organização criminosa chefiada por Cachoeira. A espionagem servia para garantir a continuidade da exploração da jogatina.

A busca feita na casa do araponga detectou documentos relacionados à prática de espionagem, como pesquisas feitas na rede Infoseg — que integra dados de todas as secretarias de segurança pública dos estados e do DF — e até mesmo um relatório com a relação de linhas telefônicas grampeadas para a Operação Monte Carlo. Policiais federais já fazem a perícia de CDs e DVDs apreendidos na casa de Dadá.

Parte dos documentos é oriunda da Comarca e da Promotoria de Justiça de Valparaíso, no Entorno. Foram os promotores da cidade que iniciaram as investigações sobre a jogatina comandada por Cachoeira. As constatações dessa investigação inicial foram remetidas ao procurador-geral de Justiça de Goiás, Benedito Torres Neto, que assumiu a chefia do MP goiano em março do ano passado por influência do irmão, senador Demóstenes Torres (ex-DEM-GO). Benedito, depois de se inteirar das provas produzidas em Valparaíso, remeteu os papéis para o Ministério Público Federal de Goiás, em razão do envolvimento de servidores públicos federais. MP e PF deflagraram, então, a Operação Monte Carlo.

Vazamento
O Correio apurou que Demóstenes — investigado pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Conselho de Ética do Senado por colocar o mandato a serviço de Cachoeira — agendava encontros de políticos e autoridades com o irmão para tratar de assuntos pertinentes ao MP de Goiás. "O procurador-geral recebe inúmeras pessoas, autoridades ou não, todos os dias no seu gabinete, independentemente da solicitação de qualquer pessoa", sustenta Benedito, por meio de sua assessoria de imprensa. Ele nega, porém, qualquer relação com o vazamento de documentos a Dadá. "Por óbvio, não há nenhuma ligação entre o suposto vazamento de documentos na Comarca de Valparaíso de Goiás com as atividades do gabinete do procurador-geral."

O procurador diz não ter conhecimento da existência de documentos na casa do araponga. Segundo ele, nenhum promotor ou procurador do MP de Goiás recebeu Dadá para tratar de qualquer investigação. O araponga já atuou na Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e prestou serviços à PF. Benedito afirma ainda que a investigação inicial do MP goiano, com base em escutas telefônicas da PF, não detectou diálogos entre Demóstenes e Cachoeira. "O procurador não avisou (o irmão sobre as investigações), tanto que a operação prosseguiu até a deflagração."

O MP do DF também negou ter conhecimento sobre vazamento de documentos oficiais a um dos integrantes do grupo de Cachoeira. "Não sabemos o teor, nem sequer a ocorrência de documentos dessa espécie em poder dessa pessoa", diz o Núcleo de Combate às Organizações Criminosas (Ncoc) do órgão, por meio da assessoria de imprensa. Dados sobre a exploração de jogos de azar no Entorno foram encaminhados pelo MP do DF aos investigadores goianos. "Tendo sido difundido material sobre esse assunto para outros órgãos de persecução, não temos o controle sobre a forma de sua utilização."

O Tribunal de Justiça de Goiás também sustenta desconhecer a existência de vazamento de documentos a Dadá. A PM goiana não respondeu às perguntas do Correio até o fechamento desta edição.

CPI das escutas clandestinas

Sargento da reserva do Centro de Inteligência do Comando da Aeronáutica, Dadá é um dos arapongas mais lembrados em Brasília. Ficou conhecido por ter participado da Operação Satiagraha, da PF, o que levou a CPI das Escutas Telefônicas Clandestinas no Congresso a sugerir o indiciamento do sargento, em maio de 2009. Preso na Operação Monte Carlo, Dadá foi levado inicialmente para a carceragem da PF em Brasília. Depois de ser transferido para Goiânia, voltou para a capital, agora na Base Aérea. "As apreensões da PF seguiram a legalidade, mas não tenho juízo de valor sobre o conteúdo. A preocupação é retirá-lo do cárcere", afirma o advogado de Dadá, Genuíno Lopes Moreira.

O que é que Harvard e o MIT têm?

ONTEM A DOUTORA Dilma esteve em duas das melhores universidades do mundo, Harvard e o Massachusetts Institute of Technology. Uma nasceu em 1686, de uma doação de um pastor/taverneiro. A outra veio da iniciativa de um grupo de homens de negócios de Boston. No início do século passado o MIT ganhou vigor com o patrocínio de George Eastman, uma espécie de Steve Jobs de seu tempo. Se um criou o iPhone, o outro popularizou as máquinas fotográficas Kodak. As duas instituições devem muito aos projetos de pesquisa financiados pelo governo, mas nada devem à burocracia pedagógica de Washington. Pelo contrário, Harvard e o MIT influenciam as políticas educacionais do país. Graças à filantropia do andar de cima e à qualidade da gestão de seus patrimônios, as duas têm um ervanário de US$ 42 bilhões.

O Brasil pode ser beneficiado por um movimento renovador do ensino superior. A doutora Dilma quer dobrar as conexões internacionais da melhor escola de engenharia do país, o Instituto Tecnológico da Aeronáutica. Do ITA saiu a Embraer, cujo faturamento atual equivale a 102 anos do orçamento da escola. Em São Paulo, com o apoio de empresários, o Insper anunciou que em 2015 abrirá uma faculdade de engenharia voltada para a produção. É bom, mas ainda falta.

O Brasil tem 36 bilionários em dólares na lista da Forbes. Juntando-se os donos das grandes empreiteiras e os homens do agronegócio que escaparam ao radar da revista, passam de 50. Juntos, têm pelo menos US$ 200 bilhões, mas só uns 20 patrocinam filantropias relevantes.

Nos Estados Unidos o nome de Andrew Carnegie, que foi o homem mais rico do mundo, não está associado à ruína da vida dos operários de suas minas e siderúrgicas, mas às doações que fez. Ele dizia: "Quem morre rico morre desgraçado". Em vida, acumulou algo como US$ 200 bilhões em dinheiro de hoje. Quando morreu, 1919, distribuíra US$ 150 bilhões, criando escolas técnicas e bibliotecas. Bill Gates deixou de ser o sujeito que cobra caro pelo Windows. Em vez de ser conhecido pelo que ganha, tornou-se notável pelo que dá. Ele já distribuiu algo como US$ 30 bilhões.

Os magnatas brasileiros podem se juntar, oferecendo ao país duas grandes escolas, mais uma de engenharia e outra de medicina. Com folga, R$ 500 milhões pagam essa conta. Ou seja, R$ 10 milhões de cada um.

A avareza da plutocracia nacional é uma explicação insuficiente. Ela não doa porque sabe quanto custa ganhar um dinheiro que, passando pelo governo ou por instituições semioficiais, acaba malbaratado. Em 1930, Eufrásia Teixeira Leite, uma grande mulher, que namorou Joaquim Nabuco e multiplicou uma herança do baronato do café, deixou sua fortuna para educar e assistir os pobres de Vassouras. Em dinheiro de hoje, seriam pelo menos R$ 170 milhões. Cadê? Restam um centro de tecnologia de alimentos e poucas lembranças.

O dinheiro de Eufrásia sumiu porque ela amarrou mal sua gestão. Os bilionários de hoje podem blindar suas doações, como fizeram os americanos. De quebra, melhorarão a qualidade da memória nacional, pois nela há mais nomes de grandes bandidos, como Lampião e Chico Picadinho, do que de grandes empresários admirados pela benemerência. Elio Gaspari

7 de abril de 2012

PF gravou 70 conversas entre Cachoeira e deputado do PSDB, incluído em organização

A Polícia Federal interceptou 70 ligações entre o deputado Carlos Alberto Leréia (PSDB-GO) e o bicheiro Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, preso como chefe de uma quadrilha acusada de exploração ilegal de máquinas caça-níqueis e outros jogos ilegais. A partir das informações, a polícia incluiu o nome de Leréia no organograma da organização de Cachoeira, confidenciou ao Globo uma das pessoas que tiveram acesso ao inquérito da Operação Monte Carlo. Com base no relatório da investigação, o ministro Ricardo Lewandowski decidiu abrir inquérito contra o deputado e o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), entre outros parlamentares.

O deputado teve conversas interceptadas também na Operação Vegas, concluída em 2009. No último sábado, O Globo divulgou trechos de diálogos de Leréia com integrantes da organização de Cachoeira. Numa das conversas, o deputado cobra de Wladimir Garcez, um dos principais operadores de Cachoeira, depósito de determinada quantia de dinheiro. Os diálogos são cifrados. Mas, pela análise das informações, a polícia sustenta que o grupo fala de licitações e outros negócios de interesse direto de Cachoeira.

- Eu liguei pro rapaz lá, falou que só fizeram um depósito daquele lá, entendeu. De cinco... Podia verificar isso aí ? - pede Leréia.

- Não, foi feito ontem o outro, viu? - responde Garcez.

O deputado não entende, e Garcez tenta explicar de forma velada o depósito do dinheiro na conta indicada pelo deputado:

- Foi feito ontem o outro... foi (sic) feito os dois - acrescenta.

Depois desta e de outras conversas, Garcez informa ao tesoureiro da organização de Cachoeira "os dados da empresa e da conta-corrente onde deverão ser depositados R$ 100 mil", diz relatório que o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF). Garcez foi um dos presos na Operação Monte Carlo, no fim do mês passado. Ele é apontado como o braço-direito da organização criminosa de Cachoeira.

Getúlio Bezerra, advogado de Leréia, confirmou que o deputado conversou várias vezes com Cachoeira. Segundo ele, os dois são amigos desde a década de 80. Portanto, seria natural que falassem bastante sobre "todos os assuntos". Bezerra disse, no entanto, que não teve acesso ao inquérito e não saberia dizer se, de fato, Leréia aparece no organograma da organização de Cachoeira desenhado pela polícia.

- Esse organograma, se existe, é um absurdo. Não se pode confundir amizade com participação numa organização - disse Bezerra.

Rede da máfia de Cachoeira contava com policiais e delegados da PF


Além de elos com políticos, a organização criminosa comandada pelo contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, tinha sob suas ordens dois delegados da Polícia Federal e 30 policiais militares, que vazavam informações privilegiadas e driblavam até a ação da Força Nacional de Segurança, quando atuava na repressão a jogos ilícitos em Goiás e nos arredores de Brasília.

De acordo com investigações da Operação Monte Carlo, que levou o contraventor - acusado de comandar uma rede de jogos ilegais - à prisão em fevereiro, R$ 200 mil teria sido o valor pago por Carlinhos Cachoeira para contar com os serviços do delegado da Polícia Federal Fernando Antonio Heredia Byron Filho, também preso na operação.

Byron integrava o time de interlocutores de Cachoeira que, como o senador Demóstenes Torres(Sem partido-GO),se comunicava com o contraventor por meio de aparelhos de rádio Nextel habilitados no exterior para tentar escapar de escutas telefônicas.

Seu papel era garantir a exploração de máquinas de caça- níqueis, vazar e direcionar investigações, a pedido de Cachoeira, a quem se refere como "guerreiro velho". O contraventor o chamava de "doutor".

Apartamento. Em agosto do ano passado,Byron prestou contas de um serviço para o contraventor e aproveitou para pedir um adiantamento de dinheiro para pagar um apartamento. A conversa telefônica foi interceptada pela operação Monte Carlo.

A outro delegado da PF preso na operação, Deuselino Valadares dos Santos, o preço pago por Cachoeira foi bem mais alto.

Conhecido na organização como" Neguinho",Deuselino Valadares foi cooptado quando chefiava a Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros da Superintendência da Polícia Federal em Goiânia.Auditores fiscais atestaram enriquecimento do delegado, incompatível com os rendimentos declarados ao Fisco.

Em2011,ano em que foi afastado do cargo, Deuselino e sua mulher, Luanna Bastos Pires Valadares, teriam comprado à vista uma fazenda no município de Juarina, no Tocantins, por mais de R$ 1milhão. Luanna também seria sócia de um"laranja"de Cachoeira numa empresa de segurança, a Ideal.

Antes de ser cooptado pelo contraventor, Deuselino assinou relatório de outra investigação, no qual o senador Demóstenes Torres aparecia como destinatário de 30% dos ganhos de Carlinhos Cachoeira.

Segundo reportagem da revista Carta Capital, um último relatório assinado pelo delegado da PF, em maio de 2006, exibia, com detalhes, o esquema do "proprinoduto" de Cachoeira, do qual passaria a fazer parte.

Demóstenes. As ligações do senador Demóstenes Torres com o contraventor voltaram a ser investigadas pela Polícia Federal em 2008, em outra operação de combate ao jogo ilegal, a Las Vegas.

As conversas do senador com Carlinhos Cachoeira foram grampeadas na ocasião.O inquérito da PF foi encaminhado à Procuradoria- Geral da República em 2009, mas o procurador Roberto Gurgel optou por não repassara informação ao Supremo Tribunal Federal (STF).

A relação de Demóstenes Torres e Carlinhos Cachoeira começara havia anos, quando o senador era secretário de Segurança em Goiás, durante o primeiro mandato do governador Marconi Perillo (PSDB). Isso ocorreu antes de o contraventor aparecer como pivô do primeiro escândalo do governo Lula, a partir da divulgação de um vídeo em que Waldomiro Diniz,então subchefe de Assuntos Parlamentares da Casa Civil, subordinado ao então ministro José Dirceu, foi flagrado negociando propina com o contraventor no processo de legalização dos jogos.

Teia política. As investigações mostram que Carlinhos Cachoeira mantinha esquema de contatos políticos e com agentes da área de segurança, para garantir prosperidade aos seus negócios.

Demóstenes Torres transitou nos dois grupos. Do esquema do contraventor também fariam parte seis delegados da Polícia Civil e 30 policiais militares.

Preso na operação Monte Carlo, o comandante da Polícia Militar de Luziânia (GO), major Uziel Nunes dos Reis, foi um dos que prestaram serviço a Cachoeira.

Em agosto do ano passado, o major teria contribuído para evitar o fechamento de bingos clandestinos pela Força Nacional de Segurança. A apreensão de máquinas caça-níqueis no entorno de Brasília abalava a contabilidade do grupo. Uma única casa de jogos clandestina faturava cerca de R$ 1 milhão por mês.

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PONTOS-CHAVE

Tentáculos do esquema nos governos

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