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5 de maio de 2008

Como o país venceu

SE O GOVERNO FOI PEGO de surpresa pela concessão do grau de investimento, o mesmo não pode ser dito de quem acompanha os fundamentos da economia. A grande virada veio do setor exportador, especialmente a partir de 2003. “Foram os saldos comerciais que permitiram elevar as reservas e deram fôlego ao País”, disse à DINHEIRO o ex-ministro Luiz Fernando Furlan . A gestão das contas públicas e o controle da inflação nos últimos anos também foram destacados pela Standard & Poor’s. O saldo da balança comercial, por exemplo, teve um crescimento de 210% nos últimos seis anos. No mesmo período, a dívida pública teve uma redução de oito pontos percentuais e as reservas internacionais aumentaram em mais de 1.000%.

Na avaliação de alguns analistas, a independência conquistada pelo Banco Central nos últimos anos também foi essencial. E uma prova disso ocorreu na última reunião do Comitê de Política Monetária, quando a taxa Selic foi elevada em 0,5 ponto percentual. O elogio ao BC de Henrique Meirelles foi estampado no relatório da S&P divulgado ao mercado. “Do ponto de vista de solvência, o Brasil já é um país bastante confiável e solvência é um item essencial para obter a classificação”, analisa Alexandre Póvoa, diretor da Modal Asset. “Ter um BC atento às intempéries do mercado conta pontos importantes nessas horas.” O resultado do superávit fiscal, divulgado no mesmo dia da elevação no rating brasileiro, também influenciou. No primeiro trimestre deste ano, o governo central teve um superávit de R$ 31,3 bilhões, resultado 65,5% acima do registrado anteriormente. Com isso, o superávit primário acumulado ficou em 4,65% do PIB. São números que, se forem mantidos, não levarão o Brasil a perder o tão almejado grau de investimento.


“O BRASIL AGORA É SÉRIO”

O empresário Luiz Fernando Furlan, ex-ministro do Desenvolvimento, foi um dos responsáveis pelo grau de investimento, ao comandar o esforço exportador brasileiro. À DINHEIRO, ele falou sobre essa conquista.

O que significa o investment grade?

Significa que o Brasil já é visto como um país sério e que o mundo reconhece todos os nossos progressos econômicos. Mas essa é uma maratona, e não uma corrida de fôlego curto. O Brasil ainda tem muito o que fazer em outras áreas, como a infra-estrutura. A classificação deve ser comemorada, mas não encerra a nossa caminhada.

Quais foram os fatores decisivos?

O principal, a meu ver, foi a virada nas contas externas. Em janeiro de 2003, o Brasil exportava US$ 60 bilhões ao ano. Hoje, o número acumulado em 12 meses é próximo a US$ 165 bilhões. Foram os saldos externos que deram tranqüilidade e solvência ao País. Outro ponto, não menos importante, foi o compromisso do Henrique Meirelles com a inflação baixa.

Mas as contas externas não estão piorando?

O que aconteceu neste início de 2008 foi cíclico. As empresas aumentaram suas remessas porque os lucros cresceram muito. E a melhor coisa que o País pode fazer é estimular a criação de novas multinacionais brasileiras. O Brasil já tinha umas 20 empresas consideradas investment grade, como Vale, Gerdau e Embraer, justamente porque são internacionalizadas e têm receita em moeda forte. Precisamos de muitas outras multinacionais.(IstoÉ)

Investimentos: As velhinhas da Califórnia vêm aí

UMA PLATÉIA DE GESTOres e investidores internacionais, reunidos no Hotel Unique (SP) na terça-feira 29, ouviu Mauro Bergstein, diretor-executivo do Credit Suisse, exaltar as melhorias macroeconômicas brasileiras nos últimos 15 anos. E a sentença:

“O investment grade acontecerá ainda este ano e um novo fluxo de investimentos virá para o País”. Poucos podiam imaginar que, no dia seguinte, ocorreria a elevação do Brasil para grau de investimento pela agência de classificação de risco Standard & Poor’s. Ao subir um degrau na escala da S&P, o mercado de capitais brasileiro sai do nível especulativo e entra no radar dos grandes fundos institucionais estrangeiros.

Os maiores interessados na rápida elevação da nota soberana do Brasil eram os fundos mútuos e de pensão, principalmente os americanos. Anteriormente, muitos tinham uma restrição de aplicar até 12% do patrimônio nos chamados alternative investments, como o Brasil pré-grau de investimento. Alguns se aventuraram e já desembarcaram, provocando uma primeira onda, com entrada em IPOse aquisição de cotas de outros fundos. Como são responsáveis por um bolo de US$ 10 trilhões, é provável que uma segunda onda possa começar.

“Os fundos vão acessar todas as categorias de investimento e vão gerar uma mudança significativa na alocação de recursos”, diz Amaury Júnior, sócio da Vision Brazil Investments.

A primeira onda já atraiu algumas “velhinhas” americanas milionárias ao País. O California Public Employees (Calpers), maior fundo de pensão dos Estados Unidos, possui mais de US$ 1 bilhão em investimentos por aqui. São US$ 885 milhões em ações de empresas como Cyrella, Grendene e Eletrobrás e US$ 90 milhões em investimentos imobiliários. É pouco se comparado ao patrimônio do fundo, calculado em US$ 244 bilhões. No Calpers, não é o grau de investimento que tornará o Brasil mais vistoso. “Nossa política nos permite investir no Brasil desde junho de 2005”, afirmou à DINHEIRO Clark McKinley, diretor de governança corporativa do Calpers.

“Vemos oportunidades e, se você é esperto, vê que o Brasil é uma excelente oportunidade”, diz.

Já o California State Teachers (Calstrs), o terceiro maior fundo norteamericano, tem muito o que enviar.

Até hoje, só investiu US$ 30 milhões em títulos federais. Seu patrimônio total soma US$ 164 bilhões. A aplicação de novos recursos será criteriosa. “O aumento da classificação de um país sempre representa algo positivo, mas isso não impacta necessariamente no nosso apetite por investimentos em seus papéis”, explica Ricardo Duran, porta-voz do Calstrs. A decisão será dos gestores. O primeiro movimento será uma troca de investidores. Muitos apostaram lá atrás no grau de investimento e se preparam para realizar lucros. “Não espero um grande movimento. Mudará o perfil do investidor”, afirma Pedro Guerra, diretor do Citibank. Os fundos de pensão, por exemplo, vislumbram o longo prazo. “Haverá uma entrada na renda fixa com prazos mais longos”, diz Marcelo Kfoury, economista-chefe do Citibank.

“A NOTA REFLETE MATURIDADE”

A analista Lisa Schineller acompanha o Brasil para a Standard & Poor’s há cerca de 10 anos. Pois foi a evolução do País em todo esse período que ela levou em conta ao recomendar a elevação do Brasil para grau de investimento na escala de riscos da S&P. “Foi o resultado de um trabalho que começou no governo Fernando Henrique e continuou”, afirmou à DINHEIRO.

Houve algum gatilho para a decisão?
Não houve um motivo específico. A elevação reflete a combinação de políticas e do desempenho dos indicadores desde maio do ano passado, quando fizemos a elevação anterior e mantivemos a perspectiva positiva. Mesmo sem a CPMF, o governo confirmou seu compromisso com a meta fiscal, como tem feito há quase dez anos. Isso, num contexto do desempenho de baixo nível de inflação, mais credibilidade, transparência e previsibilidade.

O crescimento da inflação no Brasil não preocupa?
O Banco Central elevou os juros em abril. Isso reflete a independência operacional do BC e o compromisso de manter a inflação na meta.

O investment grade não teria saído sem a alta dos juros?
Não necessariamente. Mas sem dúvida a atuação reforça nossa confiança. É um exemplo de política pragmática para manter a estabilidade da economia brasileira. Apesar da situação externa mais difícil, o Brasil continua a atrair investimento direto. Isso reflete mais maturidade na política e na economia.