Pages

Subscribe:

29 de julho de 2008

A incrível fortuna do afilhado do prefeito


Com 5 anos, ele ganhou casas e gado de um político do interior de São Paulo. Pode ser um caso de generosidade. Ou de uso de um inocente para acobertar corrupção
Wálter Nunes, de Presidente Prudente (SP)

"Adoro esse negrinho. Tenho 76 anos e não vou levar dinheiro para o túmulo"
AGRIPINO LIMA, justificando as doações para Leandrinho
Leandrinho (nome fictício para preservar a identidade do garoto) tem a agitação típica dos meninos de 5 anos. Corre de um lado para o outro desviando da pouca mobília na casa de dois cômodos e sem reboco em que vive com a mãe e a irmã, na periferia de Iepê, cidade de pouco mais de 7 mil habitantes no sudoeste do Estado de São Paulo. Só pára quando percebe, desconfiado, a presença de estranhos. “Conta onde você esteve na segunda-feira, Leandrinho”, diz a mãe, Paula Jaqueline Lacerda. “Eu fui pra fazenda do tio Pino. Fui no avião dele”.

Quem olha para Leandrinho não deduz que o menino maltrapilho viaja de jatinho particular, diverte-se em fazendas suntuosas, possui três casas avaliadas em cerca de R$ 250 mil, um rebanho de cem cabeças de gado e uma poupança de R$ 10 mil no Banco Santander. Tudo graças ao tio Pino, modo como ele se refere a Agripino Lima, dono de fazendas, uma universidade, emissoras de TV e rádio em Presidente Prudente, a maior cidade do oeste de São Paulo, com 200 mil habitantes. Lá, Agripino Lima é o homem mais rico e o manda-chuva político. Já foi três vezes prefeito de Presidente Prudente, além de ter sido deputado estadual e deputado federal.

O Ministério Público de Presidente Prudente não acredita que a generosidade de Agripino Lima com Leandrinho seja apenas um exemplo de altruísmo. A suspeita é que ele tenha usado o menino como “laranja” (testa-de-ferro) para esconder uma suposta propina paga por empresários que têm contratos com a Prefeitura de Presidente Prudente. Como a investigação corre sob segredo de Justiça, os promotores não falam sobre o assunto. Mas há indícios que podem complicar Agripino Lima.

Duas das casas transferidas para o nome de Leandrinho nunca pertenceram oficialmente a ele. A proprietária era Maria de Lourdes Pinheiro, irmã de Oracir Pinheiro, dono da TCPP, a maior empresa de ônibus da cidade. Foi ela quem doou as propriedades ao pequeno Leandrinho. A operação aconteceu em dezembro do ano passado, dois meses após Agripino ter dado autorização para que a tarifa de ônibus da cidade saltasse de R$ 1,80 para R$ 2. A suspeita é que as casas doadas a Leandrinho tenham sido propina paga pela empresa TCPP.

Agripino Lima admite ter aumentado a tarifa de ônibus a pedido de Oracir Pinheiro, mas nega ter havido pagamento de propina e que Leandrinho seja um “laranjinha”. Diz ter se afeiçoado ao garoto, que teria conhecido por intermédio de uma sobrinha de sua mulher. Desde então, teria virado uma espécie de padrinho informal do menino. “Adoro esse negrinho”, diz Agripino, com uma forma peculiar de expressar carinho. “Estou comprando para ele mais uma casa e uma fazenda. Tenho 76 anos e não vou levar dinheiro para o túmulo”. Apesar de seu nome não aparecer em nenhum documento, Agripino diz que as casas em nome de Leandrinho eram de sua propriedade. “Comprei as duas por R$ 80 mil divididos em oito parcelas. Não transferi a escritura para não pagar imposto”, diz.

Por ser menor de idade, os bens de Leandrinho deveriam ser administrados pela mãe. Mas quem toma conta de tudo é a cunhada de Agripino Lima, Célia DeMattei. “Ela veio aqui e eu assinei uma procuração para ela poder mexer com as coisas do menino”, diz a mãe de Leandrinho, Paula Jaqueline Lacerda. Ex-empregada doméstica, Paula sofre de ataques epiléticos e não trabalha. Ela cria Leandrinho e a irmã Rayane, de 9 anos, com R$ 500 por mês, dinheiro do auxílio-doença e do Bolsa-Família, transferido pelo governo federal. “O Agripino às vezes dá R$ 50 para comprar umas coisinhas”, diz Paula.

A investigação do MP sobre Leandrinho aumenta a coleção de polêmicas de Agripino. No ano passado, ele perdeu o cargo de prefeito e os direitos políticos por cinco anos depois de ter sido condenado por improbidade administrativa (má conduta) numa importação de peças para a construção de um observatório astrológico em Presidente Prudente. Recentemente, também foi condenado pela contratação de uma empresa de lixo sem licitação. Ele próprio calcula que responde “a uns 200 processos”.


POBRE OU RICO?
Leandrinho brinca em sua casa modesta. Além do pequeno brinquedo de plástico, Agripino deu a ele casas, gado e dinheiro
Agripino reage às acusações com os velhos modos do coronelismo interiorano. Ele é investigado pelo Ministério Público de Iepê por ter feito ameaças a um promotor que queria impedi-lo de levar Leandrinho para sua casa sem o consentimento da mãe. Certa vez, atirou uma cadeira no pára-brisa do carro de um vereador de oposição que estava estacionado em sua vaga de prefeito. Obrigado a deixar a Prefeitura por causa de uma decisão judicial, rasgou o documento do juiz diante de fotógrafos e jornalistas. A briga que lhe deu maior notoriedade nacional ocorreu em 2002. Agripino interrompeu uma marcha do Movimento dos Sem-Terra que passaria por Presidente Prudente. Bloqueou a estrada com as máquinas da Prefeitura e desafiou o líder da marcha, Zé Rainha, para uma “contenda de mãos limpas”.

Também são controversas as disputas familiares de Agripino. Em 2001, logo após divorciar-se de Ana Cardoso Lima, ele entrou numa disputa com os filhos, repleta de agressões registradas em boletins de ocorrência policial, pelo controle de sua universidade – a Unoeste (Universidade do Oeste Paulista). Hoje ele controla a universidade, mas Ana Cardoso Lima é a reitora. A universidade é a jóia do império empresarial construído por Agripino Lima, um homem de origem pobre, filho de lavradores. Antes de virar empresário na área de educação, foi carroceiro, caminhoneiro e vendedor de carros e livros. “Era picareta. Comprava e vendia. Era bom de negócio”, diz.

A entrada no ramo educacional se deu num golpe de sorte e oportunismo. Em 1964, após o golpe militar, conheceu um sobrinho do general Golbery do Couto e Silva, eminência parda do regime militar. Aproveitou a amizade para pedir em Brasília uma licença para montar cursos universitários em Presidente Prudente. Diz que, para não chegar de mãos abanando ao gabinete de Golbery, parou na estrada e comprou um presente. “Levei uma melancia embaixo do braço. Eles partiram na hora e comeram tudo”, diz. A pouca sofisticação de Agripino teria agradado aos militares, que o habilitaram para instalar cursos de Ciências Sociais e Letras.

Sua prosperidade, afirma Agripino, se deve a uma combinação de tino empresarial e boa vontade divina. “Deus me ajuda muito”, diz, enquanto ajeita a dentadura na boca. “Tive duas isquemias que paralisaram a minha perna e meu braço, mas sarei. Caí cinco vezes de avião e não morri”. Agripino espalhou em Presidente Prudente a história de que teria encontrado Jesus Cristo, numa viagem a Mato Grosso. Depois disso, passou a construir igrejas na cidade e transformou o lugar onde mora em um santuário. Levantou uma igreja de 50 metros, repleta de vitrais, e reproduziu as 14 estações da via-crúcis com bonecos de gesso em tamanho real. Quer levar um padre para morar lá. Só não conseguiu ainda porque, fiel a seu estilo, está brigado com o bispo da região. Época num. 0532


OBS. Agripino Lima consta na lista daqueles que receberam presentes da Gautama.Veja