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29 de agosto de 2010

Juan Manuel Santos dá um chega prá la na Veja

Ex-ministro da Defesa, Juan Manuel Santos assumiu a Presidência da Colômbia em 7 de agosto sob a sombra de Álvaro Uribe, seu padrinho político, que deixou o governo com 75% de aprovação popular. Há três semanas no cargo, Santos conta com a natural boa vontade do público com os recém-empossados e apresenta um índice de aprovação de 84%. Ele adotou um tom conciliador com seus vizinhos bolivarianos e logo depois da posse se encontrou com o venezuelano Hugo Chávez, restabelecendo as relações diplomáticas. Iniciou também conversações com Rafael Correa, presidente do Equador. Santos desembarca em Brasília nesta quarta-feira com a firme intenção de fortalecer suas relações com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele falou a VEJA na Casa de Nariño, palácio de despachos e residência oficial do presidente colombiano em Bogotá.

Que tipo de vizinho o Brasil é para a Colômbia?
Para nós interessa muito ter uma relação mais estreita com o Brasil, um país com o qual eu, também pessoalmente, tenho uma relação especial e muito próxima. Minha primeira atuação profissional foi na Organização Internacional do Café. Então, nossos sócios naturais eram os brasileiros, o Itamaraty. Aprendi com os diplomatas brasileiros muito do que sei hoje no que se refere a negociação internacional. Escolhi o Brasil como o primeiro país que visitarei como presidente. Os investimentos brasileiros na Colômbia estão crescendo muito. Temos afinidades e interesses comuns. Além disso, houve o convite especial do presidente Lula, pelo qual fiquei muito grato.

Que tipo de vizinho é a Colômbia para a América Latina?
Nossa região passa por um momento muito especial porque nós temos em abundância recursos que são crescentemente escassos no mundo. Refiro-me a energia, água, capacidade de produzir mais alimentos e biodiversidade. Cada país da América do Sul e da América Latina é por si só muito forte. Mas unidos seremos uma grande potência. Tenho fundadas esperanças no sucesso do processo de integração. Fui um dos “pais da integração” do grupo andino, que, infelizmente, não evoluiu tanto quanto podia.

O partido do presidente Lula, o PT, tem relações documentadas com as Farc. O senhor pretende obter de Lula o repúdio público à guerrilha, nos moldes da declaração feita por seu colega venezuelano Hugo Chávez?
Quando fui ministro da Defesa, minha experiência com o governo do presidente Lula foi muito positiva. Obtive um rechaço categórico às Farc por parte do ministro da Defesa, Nelson Jobim, durante uma viagem dele à Colômbia. Ele disse que não permitiria que as Farc tivessem nenhum tipo de presença ou influência no Brasil.
O ministro afirmou que os guerrilheiros seriam recebidos a tiros, o que nos causou uma impressão muito boa. Não tenho, portanto, percebido afinidade ou complacência do governo Lula com o terrorismo e estou certo de que, quando nos sentarmos para conversar, essa será a posição do presidente brasileiro.

Documentos encontrados nos computadores de Raúl Reyes (chefe guerrilheiro morto por comandos colombianos em 2008 no lado equatoriano da fronteira) revelam contatos bem amigáveis entre as Farc e alguns integrantes do PT…
Sim, é possível que tenha ocorrido algum contato do PT com as Farc — assim como as Farc tiveram contato com diversos políticos colombianos, inclusive comigo. Tive contato com as Farc durante os processos de paz. O fato de alguns nomes de brasileiros terem aparecido nos computadores das Farc não necessariamente significa que aquelas pessoas sejam cúmplices com grupos fora da lei. Uma coisa é estabelecer contatos, outra é ser cúmplice.

É possível “virar a página” na crise com a Venezuela mesmo sabendo que ainda há guerrilheiros das Farc naquele país?
Nossa intenção com a Venezuela é ter relações boas e duradouras, nas quais nossas diferenças são respeitadas de lado a lado. O presidente Chávez e eu fomos muito francos um com o outro. Eu sei que não vou mudar sua maneira de pensar, e ele sabe que não vai mudar a minha. É um avanço. O que tínhamos era o pior dos mundos. A única coisa ainda pior teria sido uma guerra, o que para mim é impensável. Por isso, estamos fazendo esforços para melhorar as relações sem interferências na soberania de cada país.

Mas isso não altera a realidade de que os terroristas das Farc mantêm bases na Venezuela…
O presidente Chávez afirmou claramente que não vai permitir a presença de grupos à margem da lei em território venezuelano. Espero que isso se cumpra, porque é parte vital para a manutenção de nossas relações em bom nível.

Dá para confiar no presidente Chávez?
Nossa reunião em Santa Marta foi muito franca, muito sincera. Eu já conhecia o presidente Chávez, que é muito… muito… amável pessoalmente. Ele tem o sangue caribenho. Acho que começamos nossa convivência com o pé direito. Era o dia do meu aniversário, e ele chegou brincando com os repórteres: “Venho no dia do aniversário do presidente, que acredito completar 36, 37 anos”. Mais tarde, quando ele me cumprimentava na Quinta de San Pedro Alejandrino, que abrigou a reunião, eu o saudei muito sério e disse: “Presidente, começamos muito mal”. Ele ficou me olhando, surpreso, e disse: “O que aconteceu?”. Eu respondi: “Você falou que parecia que eu estava completando 36, 37 anos, e isso pode me trazer problemas porque minha esposa vai exigir muito mais de mim”. Rimos bastante. Isso quebrou o gelo.

E então…
Então deixei claro a Chávez que não aceito intervenção dele no processo de paz colombiano. Aliás, disse a mesma coisa ao presidente Lula. Chávez respondeu-me que estava totalmente de acordo. Eu então acrescentei que deveria parar de criticar o presidente Uribe (Álvaro Uribe, antecessor de Santos). Sou leal a Uribe e terei de defendê-lo toda vez que alguém o criticar na minha presença. Uribe fez um grande trabalho na Colômbia. Também em relação a isso, obtive a concordância de Chávez.

O senhor concorda com a apropriação que a esquerda sul-americana fez do legado de Simón Bolívar?
Não, de maneira alguma. Bolívar pertence a todos os latino-americanos e a todos os povos libertados, não importa a posição política ou a origem de classe. Não podemos nos esquecer de que Bolívar era uma pessoa que se identificava muito com a aristocracia latino-americana. Não creio que ninguém possa se apropriar de suas ideias, afinal elas pertencem a todos. Não podemos nos esquecer também das limitações derivadas da circunstância histórica em que ele viveu. Bolívar queria reinstalar a monarquia na América. Acredito que o presidente Chávez não deve achar essa ideia válida atualmente. O fato é que ninguém pode se dizer o único herdeiro do legado de Bolívar.

Outro vizinho com quem a Colômbia esteve em pé de guerra foi o Equador, do presidente Rafael Correa. Como vai a diplomacia nessa frente?
Tivemos uma reunião muito boa também com o presidente Correa. Como ele havia solicitado, eu lhe entreguei todo o material que encontramos nos computadores de Raúl Reyes. Muito em breve vamos normalizar totalmente as relações entre nossos países.

A Corte Constitucional suspendeuo acordo que permite às tropas americanas usar bases militares na Colômbia. Isso atrapalha as relações com os EUA?
Acatamos a decisão de nossa Corte, a única atitude possível em uma democracia. Mas ela não prejudica em nada as relações bilaterais entre a Colômbia e os Estados Unidos. A única coisa afetada temporariamente foram os recursos destinados a ampliar uma das setebases. Temos relações muito boas com os Estados Unidos, e elas continuarão assim.

Os Estados Unidos investiram 6 bilhões de dólares no combate ao narcotráfico nos termos do Plano Colômbia. Muda alguma coisa?
Os termos de cooperação entre nosso país e os Estados Unidos permanecem os mesmos, com ou sem a aprovação formal do acordo.

As Farc estão mesmo por trás do atentado a bomba de 12 de agosto, em Bogotá?
O que se descobriu até agora indica a possibilidade de que os autores do atentado sejam das Farc. Mas, a esta altura das investigações, é prematuro responsabilizar alguém.

Sua política de combate às Farc será a mesma empregada por Uribe?
Nossa política contra as Farc, contra o narcotráfico, contra grupos criminosos a serviço do narcotráfico e contra todos os grupos fora da lei continuará sendo de total contundência nos âmbitos militar, policial e jurídico. Não vamos ter complacência, não vamos dar trégua. Temos de continuar com a pressão militar em todas as frentes. O que quero dizer é que a porta do diálogo com as Farc não está trancada e a chave não foi jogada ao mar. Mas precisamos obter do grupo uma demonstração que nos convença definitivamente de que quer um diálogo para chegar à paz. Os colombianos estão cansados de falsos sinais de esperança, que servem apenas para fortalecer a guerrilha e fazê-la ganhar oxigênio. Não vamos repetir a experiência de dar às Farc o benefício da dúvida. Vamos continuar combatendo o narcotráfico, porque ele financia a guerrilha. Esse é um problema de segurança nacional.

O governo de Álvaro Uribe foi muitobem avaliado justamente por causa do combate à guerrilha. É difícil assumir o cargo com a responsabilidade de manter uma política tão ou mais efetiva que a anterior?
Eu fui ministro da Defesa do presidente Uribe e, modéstia à parte, durante o meu ministério é que foram dados os golpes mais contundentes contra as Farc.
Nós continuaremos com eles, não vamos baixar a guarda. Mas é claro que o presidente Uribe nos deixou um grau muito alto de exigência, que vai nos obrigar a realizar ações muito efetivas e a trabalhar duro.

O próximo presidente brasileiro vai passar por uma experiência semelhante à sua, que é a de suceder a um político de enorme popularidade. Qual é o maior desafio para alguém nessa situação?
Eu sou o último pretendente a dar um conselho aos candidatos à Presidência do Brasil. O vital nessas circunstâncias é ter um programa claro de governo, ter noção exata da etapa em que o país está e fazer todo o possível para avançar no rumo certo. Uribe obteve excelentes resultados em sua luta contra o crime, e o país avançou muitíssimo. Isso nos dá a oportunidade de trabalhar com outras prioridades, que são a luta contra a pobreza e a luta contra o desemprego. Já que a questão da insegurança foi, de certa forma, superada, podemos nos dedicar
à parte social. No Brasil, a situação é diferente. Vocês não têm o mesmo problema de segurança que nós tivemos. O presidente Lula teve muito êxito em melhorar os índices de pobreza. Aí, então, o novo governo terá não somente de continuar isso, como também passar às outras prioridades. Cada país tem suas próprias características.

O senhor tem um favorito na eleição brasileira?
Não, não, não (risos). Eu conheço bem José Serra, estive com ele várias vezes, e não conheço a Dilma. Espero conhecê-la quando eu for ao Brasil. Mas quem tem de ter favoritos são vocês, brasileiros.Veja

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