Financiados pelo BNDES, Sérgio Andrade e Carlos Jereissati estão perto de comprar a Brasil Telecom, mas ainda têm de superar a resistência dos fundos de pensão e confirmar uma mudança na lei
CARLOS JEREISSATI: dono da La Fonte conseguiu seu lugar no projeto Oi/BrT apenas na reta final
Na semana passada, a mais emocionante novela empresarial brasileira parecia entrar, finalmente, no último capítulo. Com R$ 4,8 bilhões obtidos junto ao BNDES, a operadora de telefonia Oi compraria a Brasil Telecom (BrT), criando a maior empresa nacional de telecomunicações. Um gigante com receitas de quase R$ 30 bilhões e metade das linhas fixas em operação no País. No fim da história, essa empresa seria comandada pelos dois homens escolhidos pelo governo para consolidar o setor: Carlos Jereissati, do grupo La Fonte, da rede de shopping centers Iguatemi, e Sérgio Andrade, da construtora Andrade Gutierrez. Com a bênção do Palácio do Planalto, a aquisição vem revestida de argumentos nacionalistas. A tese é que o País precisa de um grupo local forte para enfrentar a espanhola Telefônica e a mexicana Telmex, dona da Claro e da Embratel. Daí o apoio ostensivo e generoso do BNDES à operação. Mas, no fim da semana, os dois protagonistas desse enredo já demonstravam uma certa apreensão. Na noite da quinta-feira, Jereissati e Andrade reuniram-se longamente no Rio de Janeiro para avaliar os impactos do vazamento do negócio. “Foi um desastre”, disse à DINHEIRO uma fonte próxima à Oi.
SÉRGIO ANDRADE: construtor, que pretendia reinar sozinho, terá de se compor com seu sócio na Oi
A questão é que a operação se tornou pública antes que a lei a permitisse. Foi antecipada na edição da semana passada da revista ISTOÉ, na coluna Brasil Confidencial, e detalhada, dias depois, no Radar Online, da Veja. No modelo da privatização de 1998, idealizado pelo ex-ministro Sérgio Motta, o Brasil foi dividido em três regiões para que se evitasse um monopólio privado. A Oi, antiga Telemar, engloba os Estados do Sudeste, à exceção de São Paulo, todo o Nordeste e parte da região Norte. A BrT, por sua vez, presta serviços no Sul, no Norte e no Centro-Oeste. Para que a união das empresas se concretize, o presidente Lula terá antes de assinar um decreto mudando a Lei Geral de Telecomunicações. E seria muito mais conveniente, para todas as partes, que o negócio fosse realizado dentro do marco legal – e não fora. Isso acabou gerando um enorme constrangimento. A Oi, por exemplo, não pode anunciar a compra, porque o ato seria ilegal. E a BrT também não pode admitir a venda, porque isso, em tese, contraria o interesse dos acionistas. Se a idéia dos sócios é se desfazer da empresa, o ideal seria buscar o maior preço e negociá-lo com vários interessados – e não com apenas um deles. Até mesmo para o Planalto a situação é negativa. Como o negócio vazou, o presidente Lula, se quiser mesmo a operação, terá de assinar um decreto para atender interesses específicos. Seria uma lei sob medida, ad hoc, que alguns poderão chamar de “lei Sérgio Andrade” ou “lei Carlos Jereissati”. Daí o desconforto dos dois principais sócios da Oi. Além disso, muitos lembrarão que a Oi investiu mais de R$ 10 milhões na Gamecorp, empresa que tem como sócio Fábio Luís Lula da Silva, filho do presidente, e que Sérgio Andrade foi o maior doador de recursos para a campanha de reeleição de 2006, com R$ 6,4 milhões. Em julho do ano passado, a própria DINHEIRO já havia antecipado, em reportagem de capa, que o dono da Andrade Gutierrez havia sido escolhido pelo governo para reinar na telefonia.
O COMPRADOR: com faturamento de US$ 8,7 bilhões, a Oi é a maior operadora fixa do País
Por conta de tudo que cerca essa operação, a última semana foi farta em boatos. Sócios da Oi atribuíam aos fundos de pensão o vazamento dos detalhes do acordo. Isso porque há a suspeita de que Sérgio Rosa, presidente da Previ, estaria sabotando o negócio. Na semana passada, o jornal Valor Econômico publicou a informação de que a Previ pretendia pulverizar o capital da Brasil Telecom. Se isso acontecesse, a venda para a Oi se tornaria praticamente inviável. “Ficaria muito mais cara”, avalia a analista Luciana Leocádio, da Ativa Corretora. A explicação é simples. Hoje, os sócios da Oi estão comprando, na verdade, a Solpart. Essa é uma holding que está no topo da cadeia de controle da Brasil Telecom e custaria R$ 4,8 bilhões. Se houvesse uma pulverização, a Solpart desapareceria e todas as ações teriam o mesmo peso. Neste caso, a Oi seria forçada a fazer uma oferta geral aos acionistas, o que poderia custar R$ 20 bilhões – ou até mais. Como a Previ continuaria sendo a maior investidora da BrT, dificilmente perderia o controle. Poderia se eternizar no comando.
O VENDEDOR: com receita de US$ 5,3 bilhões, a BrT é a menos endividada do setor
Curiosamente, foi justamente o rumor da pulverização que acelerou o curso da história. Na segunda-feira, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, interrompeu suas férias numa praia da Bahia e disparou uma ligação para Sérgio Rosa. Disse que ele só tinha uma opção: colaborar. O ministro das Comunicações, Hélio Costa, também estava de férias em Miami, mas fontes do Ministério garantiam que Rosa seria “enquadrado”. E tudo indica que foi. Na própria segunda-feira, os fundos acertaram o preço do negócio com a dupla Andrade-Jereissati. No mesmo dia, coincidentemente, o governo determinou ao Tesouro Nacional que repassasse R$ 12,5 bilhões ao BNDES. Dinheiro, naturalmente, não tem carimbo. O banco alegou que os recursos servirão para ampliar a capacidade de financiamento do banco, mas o fato é que a operação de venda da BrT para a Oi envolve muito mais do que os R$ 4,8 bilhões da venda da Solpart. O banco de fomento, comandado pelo economista Luciano Coutinho, ajudará Carlos Jereissati e Sérgio Andrade a comprarem as ações de outras duas empresas que fazem parte do bloco de controle da Oi: Asseca Participações (do fundo GP) e Lexpart (do Opportunity e do Citibank). Cada uma das duas custará cerca de R$ 750 milhões. O banco também deve financiar a aquisição das ações em poder de seguradoras do Banco do Brasil – neste caso, as conversas relativas a preço ainda são incipientes. Finalmente, será preciso desembolsar uma boa quantidade de dinheiro para os detentores de outras ações ordinárias da Brasil Telecom, que têm direito ao chamado tag along – equivalente a 80% do prêmio de controle. Tudo isso pode fazer com que a operação custe cerca de R$ 15 bilhões. Procurado pela DINHEIRO, o presidente do BNDES, que é o principal articulador financeiro dessa aquisição, preferiu não comentar o negócio.
No desenho final, a posição acionária da La Fonte e da Andrade Gutierrez deve aumentar significativamente. Hoje, cada uma das empresas tem 10,3% da holding que controla a Telemar. Depois dos empréstimos oficiais, elas poderiam chegar a 27,5% – juntas, portanto, teriam o controle da nova empresa, com 55% dos votos, embora alguns defendam que a participação seja de 51%. De uma forma ou de outra, minoritários no negócio seriam o próprio BNDES, com 25%, e os fundos de pensão, que têm 20% das ações. E era isso que Sérgio Rosa pretendia evitar. Mas se a operação de fato se confirmar, será a segunda vez que Sérgio Andrade e Carlos Jereissati arrematam um bom naco da telefonia brasileira com dinheiro público. Num livro publicado em 2005, chamado O Príncipe: Pequena História da Participação da Previ na Privatização da Telebrás, o ex-gerente da fundação, Antônio Luiz Freitag, revelou que o consórcio que arrematou a Oi chegou ao dia do leilão de privatização com apenas R$ 171 milhões. Da primeira parcela do pagamento, de R$ 1,37 bilhão, o governo teria arcado com R$ 1,2 bilhão, através dos fundos de pensão e do próprio BNDES. O “príncipe”, no livro de Freitag, era Carlos Jereissati.
Apesar do constrangimento gerado pelo vazamento, tudo indica que a aquisição será mesmo realizada. Ela tem o aval de Dilma Rousseff, que prega uma “relação íntima entre Estado e setor privado” e sonha em ser candidata ao Palácio do Planalto em 2010. Outro defensor do negócio é Hélio Costa, que concorrerá ao governo de Minas Gerais no mesmo ano. Ambos querem impor uma cláusula no futuro acordo de acionistas, impedindo a venda a grupos estrangeiros. Além de apoio político, não há resistências empresariais. O banqueiro Daniel Dantas, ex-controlador da BrT que poderia ser visto como o perdedor da história, é um dos entusiastas da operação. Com a venda de suas ações na BrT e na própria Oi, através da Lexpart, ele deve embolsar mais de R$ 1 bilhão. Além disso, seus olhos hoje estão voltados para o agronegócio. A GP, do financista Fersen Lambranho, também tem pressa em sair da Telemar. A prioridade é investir em petróleo e mineração, atividades que exigem menos traquejo político. O Citibank precisa de dinheiro para cobrir as perdas da crise do subprime. Por fim, os concorrentes da Brasil Telecom e da Oi têm-se mantido em obsequioso silêncio, o que sinaliza a existência de um grande acordo. Com a mudança na lei, a Telefônica poderá incorporar a TIM, que foi comprada na Itália. E os executivos da Portugal Telecom, que tem como sócio o mexicano Carlos Slim, também estão ansiosos para adquirir a totalidade do controle da Vivo. Ao que tudo indica, todos os interesses empresariais foram acomodados. E, na oposição política, apenas uma voz se levantou. “Se Lula tiver a ousadia de fazer o decreto, teremos a decência de ir à Justiça para impedilo”, disse o deputado Rodrigo Maia, líder do DEM na Câmara.
DEPOIS DE LIDERAR UM MOVIMENTO CONTRA A OPERAÇÃO, A PREVI TERIA SIDO “ENQUADRADA” PELO GOVERNO
LUIZ FALCO, DA OI: ligado à La Fonte, é o favorito para ficar à frente da nova Oi
Se essa operação conseguir superar as resistências que ainda restam, Andrade e Jereissati terão um novo desafio pela frente, que é o de aprender a conviver em paz. Desde a privatização, houve vários momentos de tensão entre os dois. Nos primeiros anos da Telemar, Andrade era o fiador do executivo Manoel Horácio Francisco da Silva, que presidia a empresa. Jereissati, no entanto, foi quem articulou sua demissão. Tempos depois, ambos se uniram na guerra movida contra Dantas, numa fase inicial da disputa pela Brasil Telecom. Mais tarde, também compraram a briga contra os italianos da Telecom Italia. Há quem diga até que os dois têm qualidades complementares. Um é mestre na arte da persuasão, outro, na técnica da coerção. Goste-se ou não do estilo de um ou de outro, o fato é que venceram. “Temos que tirar o chapéu para os dois”, avalia Naji Nahas, que atuou como consultor da Telecom Italia ao longo dessa guerra corporativa. “Conseguiram o que sempre tentaram fazer”.
Aos amigos, Carlos Jereissati garante que selou a paz com Sérgio Andrade. “Estamos totalmente alinhados”, é o que tem dito. Mas o plano inicial da Andrade Gutierrez, no entanto, era outro. Previa uma associação com a Portugal Telecom, que compraria as ações de todos os sócios privados da Oi – incluindo Jereissati. Isso se desenhava no tempo em que o ministro Hélio Costa falava em criar uma plataforma “luso-brasileira” de telecomunicações. Pouco tempo depois, Jereissati definiu essa criação como um “travesti luso-brasileiro”. E, por alguma razão, ele, que tem bem menos trânsito no Palácio do Planalto do que Sérgio Andrade, conseguiu embarcar com força total na operação.
Agora, uma das incógnitas é a definição do executivo que comandará a nova empresa. Luiz Falco, presidente da Oi, é mais próximo à La Fonte e vem sendo apontado como o favorito. Ricardo Knoepfelmacher, chefe da BrT, é ligado à Andrade Gutierrez. Os dois ambicionam o comando da megatele nacional. O mesmo vale para os dois novos donos da telefonia brasileira. E muitos apostam que, depois da vitória desta semana, haverá ainda um último round na guerra pelo domínio das telecomunicações no País. Depois que todos os demais personagens foram sendo abatidos e ficando pelo caminho, sobraram apenas dois: Carlos Jereissati e Sérgio Andrade. A paz é definitiva?
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