Um artigo escrito em 2007 que eu encontrei nos meus e-mails, mas atualissímo com a data de hoje, vale a pena ser lido
Primeiro foi o governador de São Paulo, José Serra, que “teorizou” sobre a inviabilidade econômica da reforma agrária, talvez incomodado com as novas ocupações de terras no Pontal do Paranapanema. Num encontro com a juventude do PSDB, no último final de semana, o tucano-mor afirmou que é “impossível” realizar uma reforma agrária “bem feita”, devido aos custos “caríssimos”. Ele se baseou num estudo feito no governo FHC, que estimou o gasto desta reforma em US$ 35 mil por família, incluindo desapropriação das terras, créditos rurais e infra-estrutura para os assentados. Revelando que a sua fiel adesão aos dogmas ortodoxos é antiga, ele confessou que chegou a essa conclusão nos anos 70, durante o seu exílio no Chile.
“[A reforma agrária] é impossível, pelos custos... Nenhuma sociedade moderna, dos países que ainda têm agricultura grande, na América Latina, tem dinheiro para fazer uma coisa bem-feita”, afirmou Serra, que também desdenhou de outras duas bandeiras da esquerda, “a maior presença do Estado” e “a luta contra o capital estrangeiro”. Para ele, que não esconde mais sua conversão neoliberal, estas três propostas “estão superadas”. Na mesma semana, o tucano voltou à carga, desta vez para atacar o MST devido às ocupações de terras – que nem foram organizadas pelo movimento. “Este pessoal não está à vontade na democracia”, esbravejou Serra, logo ele que marca a sua gestão pela truculência.
O “economicismo” dos neoliberais
No mesmo tom, como mero repetidor das “teorias” tucanas, o editorial da Folha de São Paulo condenou a reforma agrária. Amparado numa pesquisa do Ministério de Desenvolvimento Agrário, afirmou que “o gasto médio para o assentamento de uma família é de R$ 31 mil” – menos da metade do valor alardeado, com ares de verdade, por José Serra. Mesmo assim, o jornal questionou: “À diferença de um programa de renda mínima, a reforma agrária se pretende uma política emancipadora. É preciso saber se os empregos gerados se sustentam ao longo do tempo e se produzem um nível mínimo de renda sem o concurso do poder público. Caso contrário, a reforma agrária se torna uma doação contínua de dinheiro do Estado e deveria ser substituída por ações como o Bolsa Família, mais baratas e eficientes”.
Com uma espalhafatosa manchete na capa e um longo artigo na sua principal página de política, a Folha ainda fez terrorismo contra o dinheiro investido na reforma agrária. “O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem desembolsado uma média de R$ 31 mil para assentar cada família sem terra do país. O custo é suficiente para manter por 27 anos um casal com três filhos no programa Bolsa Família”. Mesmo ouvindo o “outro lado” – no qual o ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, afirma que “o valor é alto, mas compensa” –, a Folha insistiu na tese de que é melhor investir no Bolsa Família do que na reforma agrária. Como “partido da direita”, adepto dos dogmas neoliberais, ela prefere as medidas compensatórias às mudanças estruturais, que alterem a concentração de renda e riqueza no Brasil.
Recursos para grileiros e latifundiários
As declarações de José Serra e o editorial de Folha, assim como as reportagens sempre agressivas da TV Globo, revelam que a elite burguesa não gosta nem de ouvir falar numa profunda reforma agrária. Como é um afronta a concentração fundiária, em que 1% dos proprietários detém 56% das terras agricultáveis, ela agora resolveu usar o argumento “econômico” para negar a urgência desta reforma. Ela nunca criticou os milhões do Proer dados por FHC aos banqueiros, ou os milhões do BNDES usados para bancar poderosas corporações ou mesmo os empréstimos do governo aos “donos da mídia”. Quando o dinheiro público é para os ricos, é investimento; quando é para os trabalhadores, é “gastança”. A tese “economicista” serve apenas para esconder a injustiça social e para ocultar o caráter eminentemente político deste tema.
Como denuncia Soraia Soriano, da coordenação nacional do MST, “o governador diz que não é possível fazer a reforma agrária, no entanto, ele continua direcionando recursos para o campo, mas apenas para o grande produtor rural. O governo inclusive está legalizando terras griladas por fazendeiros no Pontal do Paranapanema. Segundo dados do próprio governo, cerca de 400 mil hectares são comprovadamente de terras devolutas na região, invadidas irregularmente por grandes latifundiários”. Para ela, as pretensas razões econômicas contrárias à reforma agrária servem somente para encobrir a perversa distribuição de terras no país. “O problema é político, de justiça social, e não exclusivamente econômico”, opina.
Programa eficiente e barato
Apesar da lentidão da reforma agrária, que tem gerado duras críticas dos movimentos sociais do campo, o governo Lula aparentemente ainda não se dobrou às teses “economicistas”. O próprio ministro Guilherme Cassel fez questão de frisar à Folha que “tenho certeza que a reforma agrária vale a pena, pela ocupação do espaço, pela geração de emprego e renda e pela comparação com outras atividades”. O estudo do seu ministério já provou que cada família assentada representa a geração de 4,7 novos empregos, sendo três deles diretos – o que não foi destacado na citada manchete. Indicou ainda que cada R$ 1 milhão investido pelo governo na reforma agrária reverte-se em 136 empregos diretos, 31 indiretos e outros 46 induzidos (efeito-renda), o que é superior aos resultados alcançados nos setores de transporte, comércio e calçados.
Conforme constatou a jornalista Verena Glass, “o estudo elaborado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) sobre os aspectos orçamentários e financeiros da reforma agrária no Brasil, entre os anos de 2000 e 2005, mostra que o assentamento de agricultores pelo governo é um dos investimentos públicos mais baratos e eficientes na geração de postos de trabalho”. Para o pesquisador da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Sérgio Leite, especialista na questão agrária, os resultados da reforma agrária na geração de empregos são impressionantes e justificam plenamente os investimentos do governo na área:
“Comparativamente, se pegarmos os dados do Ministério do Trabalho sobre políticas com o Programa de Geração de Emprego e Renda (Proger), por exemplo, teremos um custo de R$ 13.600 para a geração de um emprego na indústria, de R$ 25.600 no setor de serviços e R$ 20.300 no comércio. O mesmo cálculo nesses setores, com base no resultado do Programa de Promoção do Emprego e Melhoria da Qualidade de Vida do Trabalhador (Pró-Trabalho), apontou uma despesa de R$ 23.000, R$ 35.500 e R$ 88.300, respectivamente, na geração de um posto de trabalho. Na reforma agrária, o valor cai para R$ 10 mil, considerados apenas os empregos diretos”, explicou Sérgio Leite à jornalista Verena Glass.
Urgência da reforma agrária
A própria “razão econômica” defendida pelos latifundiários, por José Serra e pela mídia é desmontada por outro dado revelador do estudo do MDA: o assentamento de trabalhadores rurais gera mais empregos do que o agronegócio, garante a alimentação da população e é fator indispensável para o desenvolvimento do país. “O sub-setor familiar gera 213 postos de trabalho e o patronal, 84. Ou seja, o primeiro é capaz de criar 2,5 vezes mais ocupações que o segundo... O principal elemento que os diferencia é o emprego direto de cada um deles (136 postos frente a 22). Segundo o mais recente Censo Agropecuário, a agropecuária familiar é responsável por 78% do pessoal ocupado na agricultura”, afirma o documento.
Em síntese, a reforma agrária continua sendo uma exigência política, social e, inclusive, econômica. Os problemas no campo brasileiro não serão resolvidos com programas como o Bolsa Família, assim como deseja a elite burguesa. “A política assistencial é para conter uma situação conflituosa. 200 mil famílias acampadas é uma situação de conflito, que precisa de políticas assistenciais. Mas não resolve as questões estruturantes”, argumenta Sérgio Leite. “Justamente para que as famílias não precisem ficar 27 anos no Bolsa Família é fundamental a reforma agrária”, acrescenta Vicente Marques, assessor especial do MDA.
Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “As encruzilhadas do sindicalismo” (Editora Anita Garibaldi, 2ª edição).
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