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19 de abril de 2009

As sagradas famílias


A sociedade brasileira descobre, estupefata, que seus representantes no Congresso Nacional perderam, por completo, a sensibilidade moral. Não sabem mais distinguir o que é correto do que é uma gritante indecência. Pior do que isso, sob o pretexto de corrigir rumos e balizar normas de comportamento parlamentar, para enquadrá-lo em mínimos padrões éticos, o que fazem é oficializar a aberração patrimonialista, que confunde interesse público com locupletação privada. E as justificativas que dão para pagar com dinheiro público os gastos de viagens aéreas, nacionais e internacionais, de seus parentes, agregados e apaniguados constituem um insulto à inteligência de cada cidadão brasileiro.

Em razão das denúncias de uso irregular de passagens aéreas por parlamentares, a cúpula do Congresso baixou, quinta-feira, normas que oficializam a utilização de bilhetes aéreos por qualquer pessoa indicada por senadores e deputados. É a oficialização da "farra das passagens", que vem em resposta à reação da opinião pública, indignada com o abuso deslavado, irresponsável, no uso das "cotas" de bilhetes aéreos custeadas pelos contribuintes. No Senado, um ato da Mesa Diretora agora permite explicitamente aos senadores da República distribuir os bilhetes aéreos para seus cônjuges, dependentes ou pessoas por eles indicadas. Além disso, para que não ocorram vexames, como aquele pelo qual passou o senador cearense Tasso Jereissati (PSDB), o fretamento de jatinhos pago com a verba das passagens torna-se oficialmente permitido.


Na Câmara dos Deputados, a Mesa estabeleceu que, além do deputado, do cônjuge e dos dependentes, a cota de passagens poderá ser usada em atividade parlamentar, o que inclui viagens de quaisquer assessores e terceiros. No Senado, foi mantida a cota de cinco passagens mensais de ida e volta, de Brasília à capital do Estado do parlamentar, eliminando-se apenas as escalas para o Rio de Janeiro.


A regulamentação da esbórnia reduzirá em 25% as despesas com viagens no Senado e em 20% na Câmara. É como se a redução do que é ilegítimo o legitimasse! Todas as justificativas dos que foram flagrados no abuso das cotas de passagens têm em comum o entendimento de que estas podem ser poupadas ou acumuladas, como se fizessem parte da remuneração de cada parlamentar - mesmo quando fora do exercício de seu mandato, caso dos ministros Geddel Vieira Lima (Integração Nacional), Reinhold Stephanes (Agricultura) e José Múcio Monteiro (Relações Institucionais).


Se essas cotas integrassem, efetivamente, a remuneração dos parlamentares, por elas deveriam eles pagar Imposto de Renda, tal como ocorre com os fringe benefits dos executivos nas empresas privadas. Essas cotas variam de R$ 4.700 a R$ 18.700 mensais por deputado, e de R$ 13 mil a R$ 25 mil por senador, dependendo de seus Estados de origem.


Mas nem pagando imposto esse descabido privilégio seria menos indecente. Por que, com efeito, o contribuinte que vota em um deputado ou senador deve custear as viagens de suas esposas, namoradas, sogras e amigos? Ou os parlamentares, quando se elegem, deixam de ter a obrigação de sustentar, com recursos do próprio bolso, as necessidades, inclusive de viagens, de parentes ou de quem mais desejem?


Segundo reportagem do portal Congresso em Foco, o ex-corregedor e atual segundo-secretário da Câmara dos Deputados, Inocêncio de Oliveira (PR-PE), teve a família bem aquinhoada com viagens ao exterior, custeadas pelos contribuintes. A esposa e uma filha viajaram para Nova York, Frankfurt e Milão; outras duas filhas viajaram para Nova York e Frankfurt; uma neta viajou para Miami - tudo com as cotas de viagem a que os parlamentares "têm direito". E a explicação do deputado é de uma comovente candura: "Eu fazia economia, viajava em voo mais em conta. Nas férias, se tinha cota de passagem (sobrando), era um direito. A família é sagrada, não tem nada demais."


A Procuradoria da República no Distrito Federal, que investiga o abuso, havia deixado claro que "a utilização da cota de transporte aéreo só é legítima quando vinculada diretamente ao exercício do mandato eletivo (....) a utilização da cota para emissão de passagens em nome de terceiros e para destinos diversos do Estado de origem é prática ilegal". Mas as Mesas da Câmara e do Senado entenderam diferente. Afinal, a família é sagrada


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