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29 de abril de 2008

Os segredos do espólio de ACM


A tentativa de capturar papéis sobre contas no Exterior motivou a invasão do apartamento da viúva, deflagrando a briga familiar que inclui a acusação de furto de peças sacras e a revelação de que um novo herdeiro teve direito à partilha dos bens de Antônio Carlos Magalhães

A cinematográfica invasão judicial à residência da viúva do ex-senador Antônio Carlos Magalhães, ocorrida no dia 11 de março, ganhou repercussão como um ato de ganância de Tereza e César Mata Pires, filha e genro do falecido senador baiano, contra a viúva Arlette. A presença da juíza Fabiana Pelegrino, mulher do deputado petista Nelson Pelegrino, adversário de ACM, à frente da ação em que oficiais de Justiça arrombaram portas e cofres e catalogaram obras de arte, politizou a ação judicial. Mas, longe das disputas paroquiais, por trás da ação orquestrada por Mata Pires estava a tentativa de encontrar uma série de documentos que serviram para que ACM o mantivesse sob controle por quase uma década e que revelam a face oculta da construtora OAS. A papelada mostra as contas da OAS em paraísos fiscais, dinheiro de caixa 2 e remessas ilegais de lucros para o Exterior em nome de Mata Pires.

Os documentos foram parar nas mãos de ACM no final de 1994, quando o senador era reconhecido como um dos homens mais influentes do País. Em 18 de dezembro daquele ano, José Raul Sena Gigante, então procurador da construtora, desembarcou de um vôo da British Airways no aeroporto internacional de São Paulo, em Guarulhos, e foi surpreendido por uma operação da Polícia Federal, que visava encontrar em sua bagagem provas de uma suposta relação entre a empreiteira baiana e o esquema PC Farias, o ex-tesoureiro de Fernando Collor de Mello. Na operação, a PF mirou um alvo e atingiu outro, que não estava no roteiro. Gigante levava duas malas 007, nas quais estavam maços de papel e oito cartões do Coutts&Co. Bank. Os cartões eram nominais a Carlos Laranjeira, Luiz Abreu Silva, Telma Maria Silva, Carlos Seabra Suárez, César Mata Pires, Luiz da Rocha Sales Filho, Nicolau Martins e Teresa Martins. Todos eles sócios e ex-sócios da OAS. Em uma das pastas havia documentos de diversas instituições financeiras estrangeiras, dentre as quais a Tiel Finance Corp. e o Citibank, ambas em Luxemburgo. Havia também documentos de empresas constituídas em paraísos fiscais, bem como procurações de cofre-forte do J.P. Morgan S/A da Suíça, em nome de um certo "Jurandir", e cerca de US$ 3 mil em espécie.

Gigante também viu serem apreendidos seu notebook e uma agenda manuscrita. Segundo delegados que participaram das investigações, Gigante seria o testa-de-ferro de ACM e de Laranjeira na Marnell Holdings Ltda., empresa nas Ilhas Virgens Britânicas, usada pela OAS para a aplicação de dinheiro no Exterior. Essa empresa dispunha de títulos do Tesouro americano, no valor aproximado de US$ 35 milhões, aplicados na União Bancária de Crédito, da Suíça. Um dos documentos encontrados era uma correspondência de Gigante enviada ao escritório de advocacia Noronha, especialista em direito americano, na qual se discute sobre negócios e transações com firmas estrangeiras, implicando um grupo empresarial brasileiro. O valor total desses negócios: R$ 500 milhões.

Com esse material em mãos, o senador, que se encontrava distante do genro, passou a ter César Mata Pires e a OAS sob controle. As conclusões do inquérito aberto naquela época, e que ganhou o número 95.0100045-1, eram de que os documentos e meios eletrônicos continham indícios de que "havia uma rede de empresas estrangeiras em paraísos fiscais, indiretamente constituídas pelo grupo OAS, com vista a proceder à lavagem de dinheiro proveniente de procedimentos ilícitos em exportações e outras fraudes." Era essa documentação que Mata Pires esperava encontrar no cofre de sua sogra. Mas, na lista do que foi achado pelos oficiais de Justiça que participaram da operação no apartamento de dona Arlette não há nenhuma menção a esses documentos. Ou seja, a jogada articulada por Mata Pires acabou resultando em um fracasso. O fracasso, porém, acabou acirrando a briga surda travada pelos Magalhães em torno do espólio de ACM, que coloca em pólos opostos o próprio Mata Pires e o atual senador Antônio Carlos Magalhães Jr., pai do líder do DEM na Câmara, Antônio Carlos Magalhães Neto.

Documento falso
A disputa concentra-se numa das jóias da coroa da família Magalhães: a Rede Bahia, a emissora de tevê que lidera o império de comunicações da família. A legislação brasileira, segundo o artigo 54 da Constituição, proíbe que parlamentares sejam sócios de televisões. ACM Jr. era o gestor da tevê. Com a morte do pai, assumiu sua cadeira no Senado, mas não deixou a tevê, o que poderá fazer até com que o governo venha a cassar a concessão. Sabedor disso, Mata Pires planeja novos disparos contra os Magalhães. Ele tem interesse em voltar às suas origens empresariais na Bahia, e acredita que a posse da televisão é o melhor caminho para que a OAS reencontre espaço no fechado mercado baiano. Para evitar o golpe, ACM Jr. tratou de procurar se defender e para tanto carrega consigo uma ata de reunião dos acionistas da tevê mostrando que ele não mais exercia o posto de gestor, mesmo antes da morte de ACM pai. O problema é que, segundo laudo elaborado pelo perito Ricardo Molina, da Unicamp, o documento é falso. Em suas conclusões, o perito indica que a ata, apesar de datada de 2004, foi produzida e assinada em 2007. Esse documento está cuidadosamente guardado com Mata Pires e serve na busca de um acordo na divisão dos bens do falecido senador.
Enquanto o acordo não é obtido, os Magalhães também procuram se municiar contra Mata Pires. Valendo-se das prerrogativas de senador, em 18 de março, ACM Jr. apresentou um requerimento ao Tribunal de Contas da União pedindo informações sobre todos os processos, "instaurados a partir do ano de 2002, concluídos ou em andamento, que envolvam a Construtora OAS".

Tanto os Magalhães como Mata Pires evitam declarações públicas sobre a guerra que estão travando. Mas, a amigos, Mata Pires não tem poupado os parentes de sua mulher. Tem dito, por exemplo, que entre os bens relacionados no apartamento de dona Arlette estão imagens sacras que foram roubadas de Igrejas do interior da Bahia e que estão catalogadas pelo Iphan. "A acusação pode mesmo ser procedente. No apartamento existem várias imagens sacras e houve uma época em que era comum prefeitos do interior presentearem lideranças políticas estaduais com imagens retiradas das igrejas", disse à ISTOÉ um dos oficiais que participaram da invasão do apartamento de dona Arlette. Para a Polícia Federal, não é difícil descobrir se o falecido senador mantinha ou não em sua coleção de obras sacras santos roubados. Basta comparar a listagem já feita pela Justiça com os catálogos do Iphan e com as reclamações feitas pelos padres do interior do Estado.

No meio dessa disputa, foi dada a única declaração de ACM Jr. sobre o litígio, numa nota em que comentava declarações do advogado de Mata Pires, André Barachísio Lisboa, ao jornal baiano A Tarde. "Com a morte do senador ACM, o senhor César Mata Pires tentou de maneira agressiva, antiética - fugindo a todas as regras que regem uma empresa de comunicação com responsabilidades sociais e constitucionais - assumir o controle da Rede Bahia de Comunicação, conquanto dita rede não integra o patrimônio do espólio", diz a nota. "Frustrado no seu ambicioso intuito de controlar a Rede Bahia, o empresário César Mata Pires resolveu constranger a família do senador Antônio Carlos Magalhães, criando uma disputa dolorosa e desnecessária em torno do processo de inventário", prossegue. Mata Pires respondeu também com uma nota, enviada ao diretor superintendente do jornal A Tarde, Renato Simões. A nota, obtida por ISTOÉ, não foi publicada pelo jornal. Comenta o requerimento feito por ACM Jr. ao TCU. "Os pedidos (são) inócuos, pois tudo o que está no TCU tem um trâmite definido, em nada acrescentam aos eventuais processos existentes e revelam dois dos males do nepotismo: oportunismo e despreparo para a função pública", diz Mata Pires.

Em sua declaração de renda de 2002, apresentada ao Tribunal Superior Eleitoral, ACM afirmou ter um apartamento em Salvador e outro no Rio de Janeiro, um terreno em Madre de Deus (BA), uma casa e um lote em Brasília. Além desses imóveis, havia os chamados "valores mobiliários": ações da Petrobras, Banco do Brasil, Banco Econômico, Vale do Rio Doce e Transworld & Trust Limited, além de pequenas participações em empresas da família - nenhuma delas da TV Bahia ou da Bahiapar. Na declaração, ACM não esqueceu de citar a coleção de "santos antigos brasileiros", "quadros de pintores nacionais" e "objetos de prataria antiga", mas nada individualizado e avaliado. Não se trata de bens que somariam R$ 500 milhões e nem que justificassem tanta briga entre pessoas de uma mesma família.

No caso da de ACM, ela foi ampliada pouco antes da sua morte com a revelação de que havia mais um herdeiro, até então mantido na sombra. Nessa conversa, ele pediu à família que reconhecesse como herdeiro legítimo um filho fruto de uma longa relação fora do casamento. Ele deveria ter os mesmos direitos dos demais na partilha dos seus bens. Após a morte de ACM, no entanto, sua vontade não foi imediatamente respeitada pelo resto da família. O novo herdeiro, então, ameaçou pedir a exumação do cadáver do pai, caso não lhe dessem uma parte igual à dos irmãos na partilha. A solução acabou surgindo com a oferta de uma considerável parte dos bens de ACM. Incluiuse nesse acordo o apartamento nº 202 do Edifício Ludwig, localizado na avenida Vieira Souto nº 272, no Rio de Janeiro, comprado no dia 3 de maio de 1978. Quando comprou o apartamento, ACM prometera à mãe do rapaz que ia romper o casamento para assumir a nova relação. Ao final, falou mais alto o apreço à estabilidade familiar. Estabilidade que ruiu estrepitosamente com a morte de Antônio Carlos Magalhães(MINO PEDROSA
Isto é num. 2008)

A inteligência do PCC


Escutas telefônicas revelam que líderes do grupo criminoso querem montar esquema para espionar autoridades e participar das eleições

Inspirado no exemplo da Cosa Nostra italiana, o Primeiro Comando da Capital (PCC) prepara um movimento inédito e ousado na história do crime organizado no Brasil. Planeja montar uma central de inteligência clandestina a fim de espionar autoridades do governo estadual, políticos e policiais e, por meio de financiamento de campanhas eleitorais, se infiltrar na política já nas eleições municipais deste ano. É o que revela a íntegra de escutas telefônicas feitas com autorização judicial por autoridades do governo de São Paulo que embasaram a prisão, no último mês, do advogado ligado ao PCC, Sérgio Wesley da Cunha, à qual ISTOÉ teve acesso.

A interceptação dos diálogos mantidos em janeiro pelo advogado Wesley com Júlio César G. de Moraes, o Julinho Carambola, segundo homem na hierarquia do PCC, e com Daniel Vinícius Canônico, o Cego, considerado o porta-voz de Marcos Camacho, Marcola, o principal líder da organização, revela as negociações para compra do sistema Guardião - computador usado pela Polícia Federal para gravar centenas de ligações telefônicas simultaneamente. Os líderes do PCC disseram ao advogado que estavam dispostos inclusive a custear a ida dele para Miami (EUA), onde o equipamento poderia ser arrematado por R$ 700 mil. Como não poderiam comprá-lo como pessoas físicas, os criminosos se declararam dispostos a abrir uma firma de segurança de fachada em nome de um laranja.

No diálogo, o advogado, que cobra R$ 10 mil pelo serviço, diz o que será capaz de fazer caso consiga o equipamento. E cita como possível alvo do grampo o delegado Rui Ferraz do Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado (Deic), que conduziu as principais investigações contra o PCC e é considerado o inimigo nº 1 de Marcola. A partir do telefone do delegado do Deic, explica o advogado, ele conseguiria monitorar o telefone dos demais policiais. Ele sugere que teria o delegado Ferraz na mão ao revelar que o fez depor a seu favor na CPI do Tráfico de Armas em 2006 no Congresso. À ISTOÉ, o delegado Ferraz disse que o advogado estava mentindo para os líderes da facção na tentativa de alardear uma pretensa influência entre os inimigos do PCC. "A mulher do Marcola pegou oito anos de reclusão graças a uma investigação minha. Já coloquei na cadeia vários clientes dele", lembrou. "Na CPI, não o protegi. Disse a verdade, porque na época ele não trabalhava para o PCC."

Os diálogos mostram ainda a intenção do PCC de se aproximar das campanhas de pré-candidatos às eleições municipais de outubro e de partidos a fim de ganhar capilaridade política. Preso em 10 de março deste ano em seu escritório, na zona norte de São Paulo, Wesley tinha sido designado pela facção para fazer a ponte com os tesoureiros dos partidos políticos. Na conversa, quando Wesley diz a Canônico que irá enviar-lhe a relação dos pré-candidatos, é citado o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM). Wesley ainda fala num "menino do PSDB" - talvez o exgovernador Geraldo Alckmin. Apesar dessa menção a candidatos à prefeitura paulista na conversa, nada das gravações indica que a pretendida aproximação do PCC com os políticos tenha ocorrido. Nem que os candidatos citados tivessem envolvimento com a facção criminosa. Nos diálogos, Wesley alega que conhece o submundo das campanhas políticas e que, por isso, estaria credenciado para fazer os contatos. O advogado atribui esse conhecimento ao fato de ter trabalhado, no passado, nas campanhas do ex-prefeito Paulo Salim Maluf. Procurada, a assessoria do deputado Maluf (PP-SP) diz que o parlamentar nunca ouviu falar no advogado e que ele jamais trabalhou em campanhas dele, nem do PP.

Segundo o presidente da CPI do Sistema Carcerário na Câmara, deputado Neucimar Fraga (PR-ES), que visitou presídios em 17 Estados brasileiros, a presença do PCC tem aumentado nas carceragens em todo o País, contando, inclusive, com a conivência das autoridades. No presídio estadual de segurança máxima em Mato Grosso do Sul os detentos colocaram, no final do ano passado, um painel de saudação do PCC com os dizerem "Nós da família PCC desejamos a todos um Feliz Natal e Ano-Novo". Os agentes penitenciários dizem que não arrancaram até hoje o cartaz porque têm medo de represálias.

O advogado Wesley teve prisão preventiva decretada pela Justiça para evitar que continuasse se comunicando com a cúpula do PCC. O advogado foi considerado pela polícia uma das peças mais importantes no plano da facção de criar a central de monitoramento e escuta clandestina e se infiltrar na política. No jargão dos líderes do PCC, atuava como uma espécie de pombo-correio. Além de ser ligado a Carambola e Canônico, Wesley tinha uma relação de confiança com o chefão Marcola. Nos diálogos com os líderes da organização criminosa, o advogado disse que foi numa conversa com Marcola que ressurgiu a idéia de a organização criminosa ter representação política. Depois dessa conversa, foi organizada uma passeata patrocinada pelo PCC em frente ao Congresso, em novembro de 2007. Na ocasião, a facção fretou ônibus em mais de dez Estados para protestar contra o descumprimento da Lei de Execuções Penais.

TRECHOS DAS CONVERSAS ENTRE O ADVOGADO SÉRGIO WESLEY E OS CHEFÕES DO PCC DANIEL CANÔNICO E JULINHO CARAMBOLA EM JANEIRO DE 2008

O "GUARDIÃO"

Sérgio Wesley - Agora, aquele equipamento que eu te disse custa R$ 700 mil, que é o Guardião. O Gaeco tem. Daniel Canônico, o Cego - Qual é a forma de pagamento?
Wesley - ...Eu preciso ver porque a empresa parece que não vende. Não está autorizada a vender para pessoas físicas. Só vende para pessoa jurídica ou governamental. Então o que tem que fazer? A gente tem que abrir uma firma em nome de um laranja, uma firma de segurança ou alguma coisa parecida, e comprar através da firma. É lá no Rio Grande do Sul.
Canônico - E se precisar... Se precisar o senhor ir para Miami para comprar qualquer tipo de aparelho, pode ir! Julinho Carambola - Tem que comprar essas máquinas aí!
Wesley - Eu com um negócio desses na mão e com treinamento, eles tão f... Eu cato todos. Tenho todos os telefones dos tiras ali dentro. Do Rui Ferraz eu tenho o telefone dele. Então, através disso daí, a gente vai expandindo. Ele grava 1.300 ligações simultâneas.

COMO A MÁFIA

Wesley - O negócio é a gente fazer negócio, ganhar dinheiro e é lógico: crescer na parte ideológica. Você não vê, na Itália a Cosa Nostra, no Japão a Yakuza, o negócio é se estruturar. É com informação, com material humano bom, é com inteligência, sigilo.

IDEOLOGIA

Carambola - A ideologia nossa é além do crime, entendeu?
Wesley - Eu sempre falei pro Marcos (Marcola), uma vez que conversei com ele, longamente, olho no olho: Marcos, a gente precisa ter uma representação política.

ELEIÇÕES

Wesley - Tem o Kassab, o menino do PSDB. Eu vou te passar a relação de nomes, porque eu tô definindo ainda. O que a gente precisa assim: tem aqueles pré-candidatos, que cada partido tem três ou quatro...

MALUF

Wesley - Eu trabalhei na campanha do Paulo Maluf há uns 15, 20 anos atrás e eu sei como é o esquema todinho, entendeu? E o dinheiro é em cash, tava lá na avenida Brasil, os meninos foram até pra pegar lá.
Carambola - Faz esses levantamentos, tá bom?
Wesley - Com certeza, porque meu interesse é ganhar dinheiro também.(SÉRGIO PARDELLAS. Isto é num. 2008)

25 de abril de 2008

A oposição sonha com a Portelinha


A vida da oposição seria mais fácil se o Brasil fosse uma imensa Portelinha.

A vida seria mais fácil para a oposição se o Brasil fosse assim uma imensa Portelinha. Na favela da televisão, ninguém deve nada ao governo, nem mesmo a ONG da Condessa. Os pobres pedem favores ao manda-chuva Juvenal Antena, e não se fala em Bolsa-Família. O cuca Bernardinho montou seu restaurante sem a ajuda do crédito consignado ou de bancos oficiais. A universidade particular de dona Branca recebe dinheiro de beneméritos e não dá bolsas do ProUni. Lá, na Portelinha, bandido é bandido e deputado é mocinho. Nem precisa bater ponto em Brasília para garantir o mandato e fazer obstrução.

No Brasil de verdade, a oposição está diante de uma montanha de obstáculos que não se vê na novela. O leitor não se iluda: quem apanha todo dia, nos discursos no Congresso e nas notícias, é o governo velho de guerra (é assim desde sempre), mas quem vive uma crise profunda, de identidade inclusive, é a oposição. Fora do poder há cinco anos, PSDB e DEM viram aliados aderir a Lula, perderam as bases eleitorais no Nordeste e precisam defender, nas eleições municipais, as grandes cidades do Sul e do Sudeste que estão sob seu comando.

Oito cardeais do PSDB e do DEM reuniram-se em São Paulo, na semana passada, para discutir os rumos da oposição. Do que transpirou do encontro, falaram tão mal do governo quanto uns dos outros. Segundo o relato oficial, concluíram que o PT é o adversário a ser derrotado nas eleições de 2010. É bom avisar, porque nem parece. Os dois únicos políticos da oposição em condições de levar a tarefa adiante – José Serra e Aécio Neves – não estavam na reunião. Isso dá a medida da distância entre intenção e realidade. Mais ou menos a mesma entre o país e a novela.

O mundo da oposição tem-se resumido a Brasília, onde sustenta contra o governo uma guerra de desgaste na trincheira do Senado. Graças à contribuição milionária de todos os erros (como dizia o poeta Oswald de Andrade) do Planalto e do PT, vem obtendo relativo sucesso nesse terreno. Chegou a impor uma grande derrota a Lula em dezembro, na votação que acabou com a cobrança da CPMF. “De que adiantou aquele esforço se não ganhamos as ruas com o resultado?”, pergunta-se o líder tucano Arthur Virgílio. “De que adiantou se nem meus companheiros me cumprimentam pela vitória?”

Na favela da TV não existem os obstáculos que PSDB e DEM não conseguem transpor na vida real

Arthur Virgílio é uma das vozes mais estridentes da oposição. Gente do governo diz que ele é um maluco incendiário. Gente da oposição também acha. Pediram para ele falar menos. Ele acha que os colegas precisam falar mais. “Temos companheiros imaginando como seria nossa volta ao governo no pós-Lula, quando ainda nem aprendemos a fazer oposição”, diz. “Temos sido presunçosos e arrogantes, diante de um adversário iletrado, mas esse iletrado nos aplicou duas surras de 40 milhões de votos”.

Há uma centelha de lucidez na fala do senador, além da autocrítica. Arthur Virgílio quer ver sua gente na rua. “Deveríamos estar no sul do Pará, escancarando a falta de autoridade do governo diante do atrevimento do MST”, dizia na semana passada, quando militantes dos sem-terra bloqueavam a ferrovia da Vale em Carajás. Fazer isso – e carregar idéias para melhorar o país – seria mais útil à oposição que tentar proibir o presidente Lula de fazer inaugurações em comícios país afora, como pede uma ação judicial movida pelo DEM.

Enquanto não se acertar internamente e não acertar seu discurso para o país real, a oposição vai ficar assistindo à novela, na qual quem abusa do cartão corporativo devolve o triplo do que gastou. Parece que roubaram o caixa dois do Juvenal Antena. Isso deve equilibrar a disputa eleitoral. Lá na Portelinha.

15 de abril de 2008

Assim é São Paulo


Homem dorme em banco de ponto de ônibus na av. Paulista; frente fria trouxe garoa a SP na madrugada desta terça-feira